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O papel do Legislativo no combate à fome e ao desperdício de alimentos

Mais de 64,5 milhões de pessoas ainda convivem com algum grau de insegurança alimentar — uma realidade incompatível com a posição do Brasil entre os maiores produtores de alimentos do planeta

11/09/2018. Crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Fome no Brasil. Família que mora na invasão atrás do CCBB, Juliana de Jesus com a filha Vitória de colo e Vítor. -  (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)
11/09/2018. Crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Fome no Brasil. Família que mora na invasão atrás do CCBB, Juliana de Jesus com a filha Vitória de colo e Vítor. - (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)

GEYZE DINIZ, cofundadora e presidente do conselho do Pacto Contra a Fome

Ocombate à fome deveria ser, antes de tudo, um compromisso coletivo. E, nesse esforço, o Congresso Nacional ocupa um lugar estratégico. São nas Casas Legislativas que se elaboram leis, se fiscalizam políticas públicas e se constroem consensos capazes de moldar o presente e projetar o futuro com foco no que é melhor para a população brasileira. 

A recente saída do Brasil do Mapa da Fome, anunciada pela FAO, evidencia a capacidade de reagir diante de cenários críticos de fome e subnutrição. No entanto, esse avanço ainda não pode ser confundido com a garantia de que todos os brasileiros tenham acesso pleno e adequado à alimentação e estejam livres da fome. 

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De acordo com dados do IBGE, mais de 64,5 milhões de pessoas ainda convivem com algum grau de insegurança alimentar — uma realidade incompatível com a posição do Brasil entre os maiores produtores de alimentos do planeta. A fome traz consequências graves para o país, como baixo desenvolvimento infantil, maiores gastos em saúde e educação, baixa produtividade e alimenta um ciclo vicioso que limita o desenvolvimento econômico e social. É, portanto, uma questão coletiva.

Além disso, conquistas, como a saída do Mapa da Fome, são frágeis enquanto as políticas de segurança alimentar não forem institucionalizadas como pauta de sociedade e como políticas de longo prazo. Para que a fome não volte a ocupar o centro da realidade nacional, é preciso mais do que medidas pontuais: é necessário que o combate à insegurança alimentar se traduza em legislações robustas, em marcos regulatórios atualizados e em orçamentos públicos que expressem prioridade política.

Diante desse cenário, é urgente que o parlamento assuma a erradicação da fome como prioridade permanente. Com esse propósito, o Pacto Contra a Fome apresentou ao Congresso Nacional a Agenda Legislativa da Política ao Prato — uma iniciativa de combate à fome, garantia da segurança alimentar e redução do desperdício de alimentos —, documento que analisa o conjunto de proposições em tramitação sobre segurança alimentar e redução do desperdício no Brasil. A agenda, elaborada em conjunto com diversas organizações da sociedade civil, destaca sete projetos que, segundo avaliação do Pacto e de especialistas consultados, têm potencial de fortalecer as políticas públicas da área, tornando-as mais eficazes e garantindo que os recursos destinados à sua execução cheguem de fato a quem mais necessita.

Projetos de lei que regulamentam o fortalecimento da agricultura familiar, a ampliação da alimentação escolar e a valorização dos sistemas de abastecimento local são instrumentos concretos para enfrentar as causas da fome, aumentar o acesso a alimentos saudáveis e promover uma relação mais justa e sustentável com a comida e são priorizados pela Agenda.

É também nesse contexto que o combate ao desperdício de alimentos se revela uma agenda estratégica. Em um país que ainda convive com insegurança alimentar em larga escala, não é admissível que mais de 55 milhões de toneladas de comida sejam perdidas todos os anos ao longo da cadeia produtiva. O parlamento pode — e deve — ser protagonista na criação de instrumentos legais que incentivem o aproveitamento de excedentes, promovam a logística reversa, reduzam perdas e aproximem produtores de iniciativas sociais comprometidas com o direito à alimentação.

Mas para que esses projetos avancem, sejam aprovados e, sobretudo, implementados com qualidade, é imprescindível que haja participação social. Quando a sociedade civil atua, o poder aumenta. Instituições, movimentos, redes e cidadãos engajados ajudam a qualificar o debate, a trazer a realidade dos territórios para o centro das decisões e a garantir que as políticas públicas estejam alinhadas com as necessidades reais da população.

A construção de uma agenda legislativa comprometida com a segurança alimentar e nutricional passa, portanto, pelo fortalecimento do diálogo entre parlamentares e sociedade. E isso exige escuta ativa, abertura institucional e vontade política de fazer da luta contra a fome uma prioridade transversal e permanente.

O Pacto Contra a Fome acredita que a superação da insegurança alimentar e da fome no Brasil depende de um esforço coletivo, intersetorial, estratégico, estruturante e contínuo. Os parlamentos, em todos os níveis, são peças-chave nessa construção. Legislar com responsabilidade social é, também, legislar com visão de futuro. Nosso convite, portanto, é claro: a fome e o desperdício de alimentos são problemas do hoje que precisam ser resolvidos com urgência. Garantir o direito à alimentação é garantir vida, saúde, dignidade e desenvolvimento. E essa é uma tarefa que cabe a todos nós.

 

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postado em 28/08/2025 06:05
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