
A aprovação da urgência do projeto de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 expõe, de uma forma bem cristalina, a realidade da política brasileira. Quem dá as cartas no Congresso não é o governo, tampouco a oposição isolada, mas, sim, o Centrão, esse bloco fluido, pragmático e sempre atento ao cálculo do poder.
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O episódio ocorreu logo após a aprovação da PEC da Blindagem, também apelidada de PEC da Bandidagem pelas redes sociais, que limita o alcance de investigações contra parlamentares. Duas votações em sequência, em uma mesma noite, mostraram que a Câmara é capaz de impor sua agenda independentemente da vontade do Palácio do Planalto. É um recado claro ao presidente Lula: a correlação de forças é desfavorável, e qualquer tentativa de impor pautas relevantes ao governo corre o risco de ser engavetada ou reconfigurada pelo Congresso.
A aprovação da PEC da Blindagem explicitou ainda o total descolamento da realidade, com uma parcela expressiva dos nossos deputados atuando em uma bolha que ignora a opinião pública. Pesquisas recentes revelam que a maioria dos brasileiros rejeita medidas que soem como privilégios ou impunidade para políticos. Ainda assim, deputados garantiram a aprovação de uma proposta que, na prática, inviabiliza investigações contra crimes comuns cometidos por parlamentares. A lembrança de nomes como Hildebrando Pascoal e João Alves, expoentes de escândalos que marcaram negativamente a história do Congresso, paira como um fantasma sobre esse retrocesso.
Com a urgência aprovada, o debate sobre a anistia avança a passos largos. Os extremos estão colocados. De um lado, bolsonaristas que defendem o perdão "amplo, irrestrito", incluindo o próprio ex-presidente, condenado na semana passada a 27 anos e três meses de prisão; de outro, a base governista que repete em coro "sem anistia". No meio, o Centrão costura um meio-termo: reduzir penas, suavizar condenações e, quem sabe, aliviar a situação de Jair Bolsonaro. Mas não a ponto de devolvê-lo ao jogo eleitoral.
Com Bolsonaro fora do páreo em 2026, o caminho fica livre para o "plano A" de uma expressiva parcela do Centrão. Trata-se do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Ele é o preferido de muitos congressistas, principalmente dos nomes ligados ao agro, e se apresenta como capaz de unir a direita e os conservadores, herdando o espólio político de Bolsonaro, mas com uma postura mais moderada e com o apoio de políticos mais tradicionais.
Estamos a exatos 380 dias do primeiro turno da eleição presidencial. Daqui até 4 de outubro do ano que vem, não há mais volta: todos os movimentos serão calculados de olho no triunfo eleitoral. A PEC da Blindagem segue agora para o Senado. Se não for barrada, a reeleição de muitos congressistas está a perigo? Eu acredito que sim, mas a resposta será dada pelos eleitores.
Opinião
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