ARTIGO

Preços justos para medicamentos

A incorporação de novos medicamentos é uma porta ainda pouco vigiada por onde, se nada for feito, os preços da assistência em saúde continuarão a explodir

. -  (crédito: Christine Sandu/Unsplash)
. - (crédito: Christine Sandu/Unsplash)

Bruno Sobraldiretor-executivo da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar)

Muito se reclama dos preços dos planos de saúde. Mas pouco se discute sobre fatores que impactam os custos médicos, uma preocupação global. Um deles, em especial, demanda atenção mais detida: as inovações e, especialmente, os medicamentos. 

Os avanços tecnológicos são extremamente benéficos para a humanidade. Vivemos mais hoje por progressos da ciência que promovem mais qualidade e bem-estar, salvam e ampliam a expectativa de vida. É uma conquista da civilização contemporânea. 

Mas as inovações em saúde também produzem impacto muito significativo — e crescente — sobre as despesas assistenciais. Na saúde, as novas tecnologias têm efeito diferente do que provocam em outras atividades econômicas: elas aumentam os custos. É uma particularidade que precisa ser considerada. 

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Medicamentos inovadores são parte essencial dessa equação e exigem abordagem especial por quem lida com acesso à saúde. Até pelo peso cada vez maior nos orçamentos de governos, famílias e seguradoras. Muitos países já têm buscado novas formas de enfrentar esse desafio, mas o Brasil segue atrasado. 

Exemplos ajudam a entender por que os medicamentos precisam estar no centro das políticas de saúde com mais ênfase. Prescrito para tratamento de distrofia muscular de Duchenne, o Elevidys é um deles e custa R$ 11,9 milhões. Significa que uma única dose, para um único paciente, equivale ao gasto médio anual com a saúde de 6.969 brasileiros.

Dadas as poucas evidências de eficácia existentes até o momento, o Brasil foi um dos poucos países a aprovar a comercialização do Elevidys até agora. Em junho, após a ocorrência de três mortes, o medicamento teve uso suspenso em todo o mundo e, em julho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também interrompeu sua comercialização aqui no país. 

O exemplo do Elevidys é relevante porque, uma vez incorporados à cobertura dos sistemas de saúde, custos dessa magnitude são suportados pelo orçamento público, no caso do SUS, ou pelas mensalidades pagas pelos usuários de planos, no caso da saúde suplementar. Embora sejam produtos muito caros e de eficácia não definitivamente comprovada, os fabricantes desses produtos não participam do financiamento dos tratamentos. Para eles, é risco zero. 

O Brasil está diante de boa oportunidade de aperfeiçoar seu modelo de garantia de acesso a novas tecnologias de saúde. Pela primeira vez em 20 anos, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED ) está definindo novos critérios para a precificação de medicamentos — incluindo tecnologias inovadoras disruptivas, em geral vinculadas a altos custos e também com elevados riscos e incertezas clínicas. 

Entre as melhorias sugeridas na consulta pública aberta, estão: 1) qualquer incorporação deve estar sujeita a avaliação científica que comprove sua eficácia e o benefício clínico adicional; 2) durante o processo de discussão e definição do preço, ficaria proibida a importação a valores internacionais; 3) no caso de produtos para doenças raras e oncológicos com ausência de evidências científicas robustas, os medicamentos teriam previsão de preço provisório; e 4) os mesmos preços pagos por medicamentos incorporados pelo SUS devem valer também para a saúde suplementar. 

Além disso, a FenaSaúde, que representa os principais grupos de operadoras de planos de saúde do país, sugeriu a alteração de todo o fluxo regulatório vigente, com sincronização dos processos de precificação e de avaliação para incorporação de produtos de terapias avançadas. Hoje, esses procedimentos ocorrem de forma sequencial e independente, primeiro na Anvisa (registro sanitário), depois na CMED (precificação de medicamentos) e, por fim, na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e na Agência Nacional de Saúde Suplementar (AN) — para avaliação com vistas à incorporação pelo SUS e pelos planos, respectivamente. 

A discussão, como se pode notar, vai além das atribuições de cada órgão isoladamente. Outro aperfeiçoamento desejável é a criação de uma agência unificada de avaliação de tecnologias em saúde, reunindo atribuições hoje dispersas na ANS e na Conitec. 

Se quisermos um sistema de assistência capaz de dar conta da demanda crescente, em função, sobretudo, do envelhecimento populacional, precisamos parar de olhar só para os sintomas e analisar as causas da alta persistente dos custos de saúde, preocupação de quem financia tratamentos em todo o mundo. A incorporação de novos medicamentos é uma porta ainda pouco vigiada por onde, se nada for feito, os preços da assistência continuarão a explodir e a cair no colo do poder público e dos contratantes de planos de saúde. 

 

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postado em 23/09/2025 04:00
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