ARTIGO

A senda dos sacrifícios

Falta o orçamento do Flamengo e do Palmeiras a LDU e Racing, óbvio, mas ambos ostentam algo peculiar: o espírito dos libertadores da América

As semifinais do principal torneio de clubes do continente são uma espécie de supercopa dos campeões dos dois principais torneios da América do Sul nos últimos quatro anos. Reparou? O Palmeiras ganhou a Libertadores em 2021. O Flamengo assumiu o cetro em 2022. A Liga Deportiva Universitaria (LDU) conquistou a Copa Sul-Americana em 2023. O Racing herdou o trono do time equatoriano em 2024. Portanto, temos uma prova de títulos.

Representantes brasileiros na disputa pela Glória Eterna, o Flamengo e o Palmeiras são exemplos de projetos consolidados. Há oito anos, o clube carioca disputou a final da Copa Sul-Americana contra o Independiente depois de ser eliminado na fase de grupos da Libertadores. O amargo vice no Maracanã fez parte do processo de amadurecimento. O time rubro-negro virou figura carimbada na Libertadores. Participou das últimas nove temporadas. Avança à segunda fase desde 2018. Ganhou dois títulos nesse período, em 2019 e em 2022, e está entre os quatro pela quarta vez no período.

Não houve ajuda da Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Não caiu mecenas do céu. O Flamengo experimentou o remédio amargo de pagar dívidas para colocar as finanças em ordem. Em 2013, abriu mão de medalhões como Vágner Love por não ter dinheiro para pagá-lo e ficou com Hernane Brocador, protagonista de um elenco modestíssimo. A torcida entendeu o preço a ser pago para virar rico. Mesmo assim, ganhou a Copa do Brasil naquela temporada.

Embora sejam adversários políticos de Eduardo Bandeira de Melo, Rodolfo Landim e Luiz Eduardo Baptista, o Bap, colhem os frutos semeados na gestão de 2013 a 2018. Hoje, o Flamengo é um clube com perfil europeu na América do Sul. Tem capacidade para atrair jogadores do quilate de Saúl Ñiguez e pagá-lo, ao contrário do endividado Corinthians na relação com o holandês Memphis Depay.

Em um post no blog Drible de Corpo, comparei o Palmeiras desta década, comandado pelo português Abel Ferreira, àquele Boca Juniors de Carlos Bianchi no início do século. De 2000 a 2007, o time argentino ganhou quatro títulos e foi vice uma vez em oito anos. O Palmeiras acumula cinco semifinais em seis anos. Enfileirou bicampeonato em 2020 e em 2021.

Paulo Nobre iniciou o processo de saneamento do clube com dinheiro do próprio bolso. Apesar da guerra política de vaidades, Maurício Galiotte manteve a curva ascendente, e a dama de ferro Leila Pereira controla com mão forte até mesmo o gênio aparentemente indomável de Abel. Ela pode encerrar dois mandatos — 2021 a 2027 — com o mesmo treinador.

É impossível cravar a final entre Flamengo e Palmeiras, em 28 de novembro, no Monumental, em Lima, porque os outros também trabalham. Há quem menospreze a Copa Sul-Americana, mas veja só: ao conquistar o segundo torneio da América do Sul em 2023 contra o Fortaleza, a LDU ganhou lastro para desbancar o atual campeão, Botafogo e o São Paulo. O Equador ficou em segundo nas Eliminatórias. Produz joias. O Independiente del Valle foi vice da Libertadores em 2016. O Barcelona de Guayaquil chegou às semis em 2017 e em 2021.

A Copa Sul-Americana também vitaminou o Racing. No ano passado, com o título na final diante do Cruzeiro. Neste, ao superar o Botafogo na Recopa. Assim como o Flamengo, o time tem um ex-jogador-técnico-torcedor dono da prancheta. Não há dinheiro sobrando, mas existe um inegável amor institucional. Red Bull Bragantino, Athletico-PR, Corinthians e Fortaleza sofreram com o Racing; O Flamengo de Filipe Luís arrisca virar a próxima vítima. 

Falta o orçamento do Flamengo e do Palmeiras a LDU e Racing, óbvio, mas ambos ostentam algo peculiar: o espírito dos libertadores da América. Há sangue na veia de Simón Bolívar, José de San Martín, José Artigas, Bernardo O’Higgins e outros líderes de batalhas históricas inglórias.

Por falar em Simón Bolívar, um pensamento dele encerra a reflexão e justifica o título sobre os quatro candidatos ao título da Libertadores. “Para o lucro do triunfo, foi indispensável passar pela senda dos sacrifícios”. Uns mais, como LDU e Racing. Outros menos, casos de Flamengo e Palmeiras.


 

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