
Márcio Tavares — secretário-executivo do Ministério da Cultura do Brasil; Raphael Callou — diretor-geral de Cultura da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação a Ciência e a Cultura (OEI)
O mundo atravessa uma encruzilhada. Entre a revolução digital que redefine a criação e o consumo e a crise climática que nos impõe novas responsabilidades, a cultura não pode ser uma nota de rodapé na agenda global. É ela que impulsiona o desenvolvimento sustentável, fortalece a democracia e dá sentido à nossa existência. Com essa convicção, o Brasil e outras 11 nações da Ibero-América — Bolívia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Espanha, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, Portugal e República Dominicana — se encontraram em Barcelona, não para esperar o futuro, mas para construí-lo.
No contexto da Mondiacult 2025, o mais importante fórum global sobre políticas culturais, a Declaração de Barcelona surge como um posicionamento estratégico do Fórum Ibero-americano de Vice-Ministros (as) e Altas Autoridades de Cultura. O documento, aprovado sob a presidência pro tempore do Brasil, é um plano de ação que traduz a urgência de pensar o papel da cultura como um direito fundamental e um motor para o desenvolvimento social, econômico e sustentável.
A declaração estabelece um roteiro com metas tangíveis, incentivando a cooperação técnica, o intercâmbio de boas práticas e a criação de marcos regulatórios comuns. A força da nossa proposta reside justamente na sua aplicabilidade. Trata-se de um compromisso coletivo para transformar a retórica em políticas públicas eficazes, que impactem diretamente a vida dos cidadãos e fortaleçam o ecossistema cultural da nossa região.
Nossa Declaração de Barcelona é objetiva. Defendemos justiça digital, com a proteção e a remuneração adequada dos direitos autorais na era da inteligência artificial (IA), garantindo que nossos artistas e criadores não sejam deixados para trás. Exigimos a inclusão do debate sobre cultura e clima, aplicando o princípio da responsabilidade diferenciada, para que a transição ecológica seja também culturalmente diversa. E reafirmamos a urgência histórica do retorno e da restituição de bens culturais aos seus povos de origem. São pautas inegociáveis para um futuro sustentável.
A cultura é um dos setores mais dinâmicos e resilientes da economia contemporânea. No Brasil, a economia da cultura representa uma força expressiva. Em 2020, movimentou R$ 393,3 bilhões, segundo a Firjan. O setor empregava 7,4 milhões de trabalhadores e trabalhadoras em 2023, com a projeção de alcançar 8,4 milhões até 2030.
Entre 2012 e 2020, o PIB da Economia da Cultura e Indústrias Criativas cresceu 78%, enquanto a economia total do país subiu 55%. Essa realidade se estende por toda a Ibero-América, onde a economia criativa representa entre 1,4% e 4% do Produto Interno Bruto regional. Globalmente, o setor cultural e criativo é responsável por 3,1% do PIB e gera quase 50 milhões de empregos, correspondendo a 6,2% de todos os postos de trabalho no mundo. Esses números não são apenas estatísticas, representam a soberania econômica, a autonomia de milhares de famílias e a capacidade de um povo de contar as próprias histórias, gerando renda e inclusão a partir de sua identidade.
A declaração aprovada em Barcelona traz 14 propostas que desenham uma arquitetura para as políticas culturais baseada na cooperação, na soberania e na justiça social. Entre os pontos mais contundentes, está a defesa de um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) específico para a cultura, uma demanda histórica que ganha força com a união da Ibero-América. A criação de um Estatuto do Artista e do Trabalhador da Cultura na Ibero-América é outra proposta de impacto, que visa garantir direitos e proteção social a um setor historicamente precarizado.
Essa não é só uma declaração, é a voz unificada de 12 nações. É um documento que, por emanar do corpo técnico e político que executa as políticas culturais no dia a dia, carrega a legitimidade da prática e a urgência do presente. O Brasil chegou à Mondiacult com a experiência de reconstrução das próprias políticas culturais e como promotor de uma Ibero-América vibrante e articulada. A Declaração de Barcelona é a nossa bússola. Ela aponta para um futuro em que a cultura é reconhecida como um bem público global e um pilar autônomo do desenvolvimento. É um convite para que todas as nações se juntem a nós nessa visão mais ambiciosa. A Ibero-América já deu o seu recado. O mundo precisa ouvir.
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