
Li, uma vez, um chinês dizer que, em seu país, o consumo semanal de carne vermelha equivale ao que um ocidental devora em um único hambúrguer. Não à toa, o Brasil é o terceiro maior consumidor de cortes bovinos e, considerando também suínos, caprinos e frangos, fica em oitavo lugar no ranking mundial. São 78kg anuais, per capita.
Como vegetariana, um mundo ideal, para mim, seria aquele em que todos os animais fossem dignos da mesma compaixão devotada a cães e gatos. Embora reconheça que esse é um cenário utópico, de uma coisa tenho certeza: o padrão atual de consumo de carne é insustentável. Não se trata de ideologia: quem diz isso é a ciência.
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Seis anos atrás, cientistas do Reino Unido e norte-americanos lançaram a iniciativa Eat-Lancet, que, hoje, é composta por pesquisadores de vários países. A ideia é reunir o que há de melhor qualidade na produção de conhecimento para elaborar um plano alimentar benéfico para o ser humano e o planeta. Nasceu, dessa forma, a dieta planetária. Diferentemente do que costumamos considerar "dieta", essa une nutrição e medicina preventiva aos indicadores climáticos e ambientais, garantindo, assim, um equilíbrio entre espécies e ecossistemas. Embora preferências alimentares possam parecer escolhas que só dizem respeito ao indivíduo, a comissão Eat-Lancet considera que, na verdade, aquilo que colocamos no prato impacta todo o planeta.
Soa exagerado? Nem tanto quando se analisam as estatísticas. O sistema de produção alimentar é, hoje, responsável por 30% das emissões de gases de efeito estufa, e a criação de rebanhos de corte está por trás de quase todo esse percentual.
Não se trata apenas do gás metano produzido pelo gado — entra na conta da alimentação, também, a destruição de florestas para a pecuária e o plantio de soja (soja essa que vira farelo não para saciar vegetarianos, como muitos pensam, mas para abastecer bois e vacas, no ciclo vicioso da produção de carne).
Entre 2018 e 2022, 96,4% do desflorestamento da Amazônia brasileira teve como objetivo a criação de pasto. Já o plantio de soja foi responsável por 10% do desmatamento na América do Sul, segundo um estudo publicado na revista Nature Sustentability.
Se a saúde do planeta não for suficiente para convencer de que é urgente reduzir o consumo de carne, talvez interesse saber que a adesão à dieta planetária poderia salvar 15 milhões de vidas humanas ao ano. O cálculo, da comissão Eat-Lancet, foi divulgado na semana passada, em um relatório construído sobre dados de saúde pública, economia, clima e nutrição, entre outros.
Nesse cálculo, entram as mortes prematuras associadas às emissões de gases de efeito estufa — hoje, é mais do que sabido que o aquecimento do planeta e o aumento da frequência de eventos climáticos extremos causam milhares de óbitos anuais. Os cientistas também consideram os efeitos da carne à saúde: segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o consumo acima de 500g semanais está associado ao aumento de doenças cardiovasculares e de alguns tipos de câncer, como o colorretal, que está em crescimento em pessoas com menos de 50 anos.
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O relatório da Eat-Lancet não apenas aponta culpados, mas mostra soluções claras, baseadas no conhecimento científico, para recuperar a sustentabilidade na relação entre o homem e o planeta. Ao comer animais na voracidade atual, os seres humanos não estão matando apenas bois, galinhas, porcos e caprinos, mas acelerando o fim da própria espécie.
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