ARTIGO

Prêmio Nobel do cessar-fogo?

Trump só será digno de um Prêmio Nobel da Paz se realmente conseguir efetivar a instalação de um Estado Palestino viável ao lado de Israel, e com o reconhecimento mútuo entre ambos

. -  (crédito: Saul Loeb/AFP)
. - (crédito: Saul Loeb/AFP)

Carlos Marun advogado, engenheiro, ex-Ministro de Estado

 

É evidente que Donald Trump mudou muito depois do fiasco de sua conversação com Vladimir Putin no Alasca. Estendeu tapete vermelho, trocaram abraços e afagos, falaram em paz, e o russo, assim que chegou a Moscou, mandou bombardear Kiev. E com força até então nunca vista. Parece-me que ali o presidente americano caiu na real: "Posso muito, mas não posso tudo", deve ter pensado. Certamente, não foi fácil para ele se olhar no espelho e concluir que não é um deus, mas é necessário admitir que as mudanças provocadas em seu comportamento foram para "muito menos pior". 

Vejamos: não mais falou em anexar o Canadá, a Groenlândia ou o Canal do Panamá; não estendeu as sanções da Lei Magnitsky aos demais membros do nosso Supremo Tribunal Federal (STF) que condenaram Bolsonaro e seus liderados a décadas de prisão; tomou a iniciativa de abrir diálogo com o governo brasileiro a respeito das tarifas; e, agora, obrigou um contrariado Benjamin Netanyahu a aceitar assinar um acordo de cessar-fogo com o Hamas. Continua aprontando as suas a nível interno, mas é "um outro Trump" visto de fora. E, visto de longe, pode até ser considerado um presidente normal.

Tem, agora, o desafio de fazer com que Netanyahu cumpra um acordo de cessar-fogo que não deseja cumprir. Bibi precisa da guerra para se manter no poder e longe da cadeia. Chegou ao cúmulo de romper unilateralmente um acordo de cessar-fogo anterior ordenando bombardeios em Gaza minutos antes de depor para o Judiciário Israelense em um caso de corrupção. Foi dispensado do interrogatório porque a "guerra" tinha recomeçado. Vai fazer de tudo para que este cessar-fogo também não dê certo. 

Ele é um inimigo declarado da paz. Ao assumir o poder, em função do assassinato de Rabin, sepultou os Acordos de Oslo articulados por Bill Clinton, causando, inclusive, constrangimento. Não pense Trump que não pode tentar fazer isso também com ele. 

Aí, um Trump corajoso e decente será mais do que necessário. É certo que está sendo heroica a resistência do povo palestino. É verdade que foram importantes as posições de países como o Brasil e África do Sul que, desde o início, repudiaram essa resposta genocida. Foi justa a ordem de prisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional contra o primeiro-ministro israelense por crime de genocídio. Foram também importantes os reconhecimentos ao Estado Palestino promovidos por vários países há alguns dias, em especial França, Reino Unido e Austrália.

Contribuiu muito o boicote promovido na ONU por dezenas de países que se retiraram do plenário e deixaram Netanyahu na ridícula posição de falar para as paredes. Foi louvável a coragem dos participantes da "Flotilha Humanitária" que partiu para Gaza e terminou nas prisões de Israel, mas que levou milhões de europeus às ruas em protestos contra o genocídio. É meritória a ação de todos aqueles que, no mundo, pelas mais diversas formas, expuseram a sua indignação ante o que acontecia. 

Porém, nada é tão importante quanto esse novo posicionamento americano. Por quê? Porque os Estados Unidos são os garantidores desse acordo e têm verdadeiro poder sobre Israel. Se não o utilizou até agora, foi porque não quis. Dou um exemplo: se não fossem os mísseis americanos Patriots, operados por militares americanos de dentro de Israel, teríamos assistido a imagens de Tel-Aviv que pensaríamos até se tratarem de fotos de Gaza quando os aiatolás decidiram reagir com saraivadas de mísseis as provocações israelenses. Tudo é importante, mas, no caso, só os EUA e Trump são imprescindíveis. 

É sabido que, na sua megalomania, Trump deseja ser agraciado com um Prêmio Nobel da Paz. Porém, penso que ele só será digno disso se realmente conseguir efetivar a instalação de um Estado Palestino viável ao lado de Israel, e com o reconhecimento mútuo entre ambos. Ele tem poder para isso. Que o faça e receba, então, esse reconhecimento que será justo. 

Esse é o caminho para a paz, e estaremos torcendo para que ele seja percorrido... 

Por enquanto, merece um louvável "Prêmio Nobel do Cessar-Fogo", mas esse prêmio não existe…

 

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Por Opinião
postado em 10/10/2025 06:00
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