
O alcance global da necessidade de cuidados paliativos é grande e crescente, especialmente diante do processo acelerado de envelhecimento da população mundial. Segundo a National Library of Medicine (NLM), mais de 60 milhões de pessoas por ano poderiam beneficiar-se de algum nível de cuidado paliativo no mundo, número influenciado pelo predomínio de doenças crônicas não transmissíveis. Isso impõe o desafio, tanto para países ricos quanto para os de baixa e média renda, de organizar serviços acessíveis e integrados.
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No Brasil, há avanços importantes nesse tipo de assistência, mas a cobertura aos pacientes e familiares ainda é insuficiente e desigual. Nos últimos anos, o país registrou aumento no número de serviços especializados: entre 2020 e o início de 2023, foram cadastrados 90 novos serviços de cuidados paliativos. No fim de 2023, havia 234 entradas, sendo 128 novos serviços e 106 atualizações de cadastro, o que representa um aumento significativo em comparação aos anos anteriores.
Um dos entraves, porém, é que a oferta permanece concentrada em grandes centros urbanos, como detalha relatório recente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). A densidade por habitante é baixa em muitas regiões do país, mostra o trabalho. A boa notícia é que hospitais públicos e privados passaram a investir em capacitação e na criação de comissões de ética focadas em terminalidade e decisões compartilhadas. Paralelamente, diversas universidades federais — como as de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul — incluíram disciplinas obrigatórias sobre o tema nos cursos de medicina e enfermagem, consolidando a formação interdisciplinar.
O projeto de lei mais emblemático em tramitação sobre o tema é o PL 2.460/2022, que institui o Programa Nacional de Cuidados Paliativos e define direitos dos pacientes e responsabilidades do Estado para garantir acesso nos diferentes níveis de atenção. A proposta tem sido debatida e recebeu pareceres favoráveis em comissões, sinalizando um avanço legislativo para padronizar oferta e financiamento. Além disso, propostas vinculadas ao Estatuto da Pessoa com Câncer e iniciativas locais (por exemplo, projetos em câmaras distritais) têm buscado estender garantias de tratamento da dor e continuidade do suporte paliativo após tratamento oncológico.
Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) disponha de diretrizes — incluídas em manuais e portarias — para a atenção paliativa em diferentes níveis de complexidade, a implementação local varia muito. Na verdade, falta muita coisa: políticas públicas claras, financiamento regular, formação continuada de equipes multidisciplinares e integração dos cuidados paliativos nas rotinas da atenção primária, entre outras carências.
Também é fundamentall ampliar o acesso a medicamentos essenciais para controle da dor, fortalecer a regulação que facilite — sem abrir brechas — o fornecimento racional de opioides e implantar indicadores nacionais de cobertura e qualidade. A criação de centros de referência regionais e teleconsultoria para suporte a equipes locais pode acelerar a difusão de práticas de qualidade.
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Vale lembrar que os cuidados paliativos estão intrinsecamente ligados à melhora da qualidade de vida de pessoas e famílias que enfrentam doenças que ameaçam a continuidade da vida, por meio do alívio do sofrimento físico, psicológico, social e até espiritual. Adaptar soluções à realidade do SUS pode reduzir um sofrimento evitável e garantir que morrer com dignidade deixe de ser privilégio geográfico ou econômico.
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