ARTIGO

Um mundo sem compromisso

Desde a assinatura histórica do Acordo de Paris, há uma década, muito tem se apresentado e pouco se tem feito. Mesmo esse pouco tem sido rotineiramente criticado

 Às vésperas da Conferência do Clima COP30, que começa em 10 de novembro em Belém (PA), um relatório da UNFCCC, a convenção-quadro da Organização das Nações Unidas que estabeleceu as bases das COPs, mostra que as emissões globais de gases de efeito estufa começam a cair. Se a tendência se mantiver, em 2035, a redução terá sido de 10%, comparado há seis anos. 

Seria uma excelente notícia se divulgada lá pelo ano 2000. Mas é mais uma prova de como a questão climática não é levada suficientemente a sério por tomadores de decisões. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) — órgão científico independente consultado pela ONU —, para viver em um planeta minimamente habitável, as emissões teriam de cair 60% até 2035. Ou seja, há pouquíssimo o que se comemorar. 

Outro ponto destacado pelo Relatório Síntese da UNFCCC: nunca os países signatários do Acordo de Paris apresentaram um conjunto tão robusto de compromissos climáticos nacionais, as chamadas NDCs, metas estabelecidas internamente, de acordo com a realidade de cada nação. Por exemplo, 89% referem-se a todo o setor produtivo; 73% têm componentes de adaptação. Além disso, um terço fala em perdas e danos, importante mecanismo compensatório aos países que em quase nada contribuíram com as mudanças climáticas, mas que sofrem severamente seus efeitos, como os Estados-ilhas do Pacífico, que começam literalmente a desaparecer do mapa devido ao agravamento de fenômenos como terremotos e tufões, além do aumento perigoso do nível do mar. 

Na avaliação de especialistas em política climática, o documento da ONU evidencia, sim, um nível maior de compromisso, não só de governos, mas de empresas públicas e privadas. Como nota Bruno H. Toledo Hisamoto, analista de diplomacia climática do Instituto ClimaInfo, "se os compromissos nacionais apresentados até agora saírem do papel, teremos a primeira redução substancial de emissões de carbono desde a Revolução Industrial." O problema é o "se".

Desde a assinatura histórica do Acordo de Paris, há uma década, muito tem se apresentado e pouco se tem feito. Mesmo esse pouco tem sido rotineiramente criticado pelos países que mais sofrem as consequências das mudanças climáticas e pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que sempre pede aos signatários "metas mais ambiciosas". O documento divulgado ontem mostra o nível de ambição global… Somente 64 países, incluindo o Brasil, apresentaram suas metas entre janeiro de 2024 e setembro de 2025.

No mesmo dia do Relatório Síntese, um coletivo mundial de cientistas divulgou o Lancet Countdown sobre Saúde e Mudanças Climáticas. Entre outras informações trágicas, está a de que as mortes por calor aumentaram 23% desde a década de 1990, enquanto 2,5 milhões de óbitos animais são atribuíveis à poluição por queima de combustíveis fósseis. O potencial médio global de transmissão da dengue aumentou em até 49% desde a década de 1950.

O documento aposta no Brasil como líder regional da América-Latina para alavancar ações de mitigação e adaptação dentro da COP30. Mas assusta pensar que a "tábua de salvação" é justamente o país que, na semana passada, deu o primeiro passo para a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas e, assim, jorrar mais combustível fóssil pelos ares.

 


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