ARTIGO

Design é ousadia, e jornalismo também

Há mais de 10 anos, campanha Outubro Rosa inspirou a primeira página do Correio Braziliense e mostrou o poder do design como linguagem de engajamento social

Outubro Rosa -  (crédito: Capa do Correio)
Outubro Rosa - (crédito: Capa do Correio)

AMARO JUNIOR, mestre em história cultural pela UnB, doutorando em estudos da mídia na UFRN, foi editor de Arte do Correio Braziliense de 2012 a 2015

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Durante o mês de outubro, o país inteiro parece adotar um mesmo matiz: monumentos, edifícios públicos e fachadas empresariais são iluminados por luzes cor-de-rosa, em um gesto simbólico que remete à luta contra o câncer de mama e à urgência da prevenção, do autoexame e da mamografia. Nesse contexto, a capa do Correio também se vestiu de rosa e rompeu com sua estética tradicional, protagonizando, há mais de 10 anos, um experimento gráfico que dialogava diretamente com o espírito da campanha. Antes de revisitá-la, vale recordar a importância e a trajetória desse movimento.

Em 2024, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou cerca de 4 milhões de mamografias de rastreamento e 370 mil exames diagnósticos. Apesar dos números expressivos, o cenário brasileiro, vasto em território e socialmente desigual, impõe desafios significativos à garantia de um acesso equitativo e de qualidade. Em setembro deste ano, o Ministério da Saúde anunciou que mulheres entre 40 e 49 anos poderiam realizar mamografia pelo SUS, ainda que sem sintomas, mediante decisão conjunta com o profissional de saúde. A medida busca ampliar o diagnóstico precoce, já que essa faixa etária responde por aproximadamente 23% dos casos, aumentando as chances de cura.

O laço rosa, hoje reconhecido mundialmente, surgiu em 1991, criado pela Fundação Susan G. Komen, nos Estados Unidos, por iniciativa de Nancy G. Brinker, em homenagem à irmã, vítima da doença. O símbolo ganhou projeção internacional graças à executiva Evelyn Lauder, da Estée Lauder Companies, que o transformou em ícone global de mobilização. A iluminação de monumentos e prédios públicos, posteriormente incorporada à campanha, ampliou o alcance visual e emocional da causa.

De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o movimento passou a abranger também a prevenção ao câncer de colo do útero. No Brasil, o Outubro Rosa evidenciou-se em 2002, quando o Mausoléu do Soldado Constitucionalista, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, foi iluminado pela primeira vez com a cor da campanha. A partir de 2009, o movimento assumiu caráter nacional, colorindo de rosa cartões-postais de norte a sul do país e consolidando-se como uma das campanhas de saúde mais reconhecidas pela população.

Foi nesse contexto que, em 1º de outubro de 2013, o Correio levou o rosa para além dos espaços urbanos e o incorporou à própria identidade visual. A capa daquele dia transformou-se em manifesto gráfico. Sob a direção da editora-chefe Ana Dubeux, a equipe do jornal obteve autorização para algo inédito: substituir o tradicional azul do logotipo por um rosa vibrante. A decisão não era mero artifício estético, mas uma escolha editorial carregada de sentido: uma declaração visual de compromisso com a causa feminina.

Setenta e cinco por cento da página foram tomados pela cor. A imagem, minimalista, sugeria a silhueta de um corpo feminino. No centro, uma flor estilizada delineava os seios e remetia simultaneamente ao traçado do Plano Piloto, com suas duas asas e eixo central. O texto acompanhava as curvas da composição, integrando-se ao desenho e reforçando o sentido simbólico da página. Sem recorrer a fotografias ou manchetes extensas, o jornal comunicava tudo por meio da forma. Era jornalismo visual em estado puro. 

O desafio técnico de imprimir uma cor tão saturada em papel-jornal exigiu testes e ajustes junto ao setor industrial, que garantiram o resultado: intenso, equilibrado e fiel à proposta inicial. A capa ganhou repercussão nacional, circulou nas redes sociais e foi reproduzida em sites, tornando-se exemplo de como o design editorial pode transcender o campo estético para atuar como discurso social.

Mais de uma década depois, aquela capa segue como referência de design engajado, um lembrete de que o jornalismo pode (e deve) experimentar novas linguagens para ampliar sua potência simbólica. Em tempos de saturação visual e da crescente automação trazida pela inteligência artificial, a força de uma ideia bem traduzida visualmente continua sendo insubstituível.

O Outubro Rosa, mais que uma campanha, é uma narrativa sobre cuidado e consciência coletiva. Uma experiência social compartilhada que deve se estender por novembros, dezembros e quantos meses ou anos forem necessários. Naquele outubro de 2013, o jornalismo brasiliense provou que também podia brilhar em tons de rosa, com coragem, empatia e criatividade.

 


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Por Opinião
postado em 28/10/2025 06:01
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