Visão do Correio

Fraude no INSS não pode virar pizza

A corrupção no INSS não é acidente administrativo: é modelo de negócio, explorado há anos por grupos que se aproveitam de brechas legais, fragilidade tecnológica e falta de controle interno

Avanço das investigações indicam que o esquema de corrupção no INSS tinha comando, método e grande ambição -  (crédito: Divulgação/Ascom/INSS)
Avanço das investigações indicam que o esquema de corrupção no INSS tinha comando, método e grande ambição - (crédito: Divulgação/Ascom/INSS)

O avanço da Operação Sem Desconto desmonta qualquer tentativa de minimizar a maior fraude da história recente contra aposentados e pensionistas. A prisão preventiva de Alessandro Stefanutto, que presidiu o INSS entre julho de 2023 e abril deste ano, expõe uma teia de corrupção entranhada na autarquia responsável por proteger os mais vulneráveis e revela que o esquema tinha comando, método e grande ambição.

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Stefanutto foi exonerado após as primeiras fases da operação revelarem fragilidades graves no sistema de autorizações de descontos e indícios de relações irregulares entre o INSS e entidades, especialmente a Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer). Agora, as investigações mostram que ele não era apenas um gestor omisso: segundo a PF, era beneficiário direto do esquema. Documentos e quebras de sigilo apontam que recebia até R$ 250 mil mensais em propina, utilizando empresas de fachada para lavar o dinheiro: uma imobiliária, um escritório de advocacia e, parece até piada pronta, uma pizzaria. 

Nos apontamentos do esquema, era tratado pelo codinome "Italiano"; a maior parte dos pagamentos teria ocorrido entre junho de 2023 e setembro de 2024. "Ficou claro que, em troca de sua influência, Stefanutto recebia propinas recorrentes. O valor mensal aumentou significativamente para R$ 250 mil após assumir a presidência do INSS. Seus pagamentos provinham diretamente do escoamento da fraude em massa da Conafer", revela a Polícia Federal (PF). Impressionante como interesses privados corroeram um órgão público com relevante impacto social.

Politicamente, o caso tem peso explosivo. O governo tentará argumentar que foi diligente ao permitir que a PF e a Controladoria-Geral da União (CGU) avançassem. Mas paira a dúvida incômoda: como alguém acusado de participação tão ativa em um esquema bilionário assumiu a presidência do INSS? A oposição, previsivelmente, usará o episódio para reavivar a mancha da corrupção. Mas tampouco está imune: o caso também alcançou o ex-ministro e ex-presidente do INSS no governo Bolsonaro, José Carlos Oliveira, agora obrigado a usar tornozeleira eletrônica.

A verdade é que o Estado brasileiro se tornou vulnerável a redes criminosas que se moldam aos governos, mesmo que não pertençam a nenhum deles. A fraude nos descontos, que arrancava dinheiro diretamente dos benefícios de idosos, viúvas e trabalhadores aposentados, é sintoma de um sistema capturado por terceiros. É por isso que esse escândalo não pode virar pizza. Não pode se perder na disputa narrativa entre governo e oposição, nem ser reduzido a um "caso de polícia".

É preciso responsabilização severa, reforma profunda dos mecanismos de autorização de descontos e revisão das parcerias com entidades privadas. O eleitorado — especialmente os milhões de brasileiros que dependem do INSS — está atento. E a democracia não aguenta mais ver a máquina pública tratada como balcão de negócios. O país exige respostas — e justiça.

A corrupção no INSS não é acidente administrativo: é modelo de negócio, explorado há anos por grupos que se aproveitam de brechas legais, fragilidade tecnológica e falta de controle interno. A captura do Estado — subterrânea, difusa, persistente — só será interrompida com reforma estrutural, transparência radical e responsabilização real.

A apuração deve alcançar todos os envolvidos, independentemente de filiação partidária ou posição hierárquica. Milhões de brasileiros que contribuíram a vida inteira para ter uma renda digna no fim da vida merecem algo mais do que indignação seletiva. O país exige que a justiça seja feita — sem atalhos, sem desculpas, sem pizza.

 

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Por Opinião
postado em 15/11/2025 06:00
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