ARTIGO

Transição energética na superfície

Transição energética é tema necessário, complexo, caro e que, infelizmente, não é discutido com a profundidade que precisa.

pri-1811-OPINI -  (crédito: Maurenilson)
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Guilherme Vinhas advogado especializado em direito regulatório, autor do livro Fundamentos da transição energética

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Transição energética é tema necessário, complexo, caro e que, infelizmente, não é discutido com a profundidade que precisa.

É necessário porque o setor de energia responde por cerca de 70% das emissões de gases de efeito estufa em termos globais. No Brasil, graças à grande produção de energia renovável, as maiores emissões de gases de efeito estufa são relacionadas ao uso da terra, leia-se desmatamento. 

O tema também é complexo porque não existe uma tecnologia dominante como os combustíveis fósseis para substituí-los em bases semelhantes de preço e segurança energética. O conjunto das novas tecnologias deverá substituir gradualmente os combustíveis fósseis, assim como reduzir a intensidade de carbono deles. 

Não há uma bala de prata. Desenvolver tecnologia e fazê-la ganhar escala é caro e demanda tempo. 

Em sociedades democráticas, as discussões são saudáveis e devem ser estimuladas. Entretanto, as pessoas que se manifestam publicamente — especialmente formadores de opinião — têm o dever de promover o debate qualificado, baseado em dados e fatos.

No primeiro dia da COP, assisti à entrevista de um cientista brasileiro que defendia sumariamente o fim da exploração e produção de petróleo para mitigar o aquecimento global, com o argumento de que a energia solar e a eólica — entre "outras" — já têm escala e preço competitivo para substituir os combustíveis fósseis.

Evidentemente que o famoso cientista não conhece o setor de energia. Há a possibilidade de o parque industrial brasileiro ser movido a energia solar, eólica ou "outra" que não seja fóssil? É seguro abandonar as termelétricas movidas a gás natural e utilizar como backup para as fontes de energia intermitentes as hidrelétricas? E se as mudanças climáticas aumentarem os períodos de seca? Já há volume de biocombustíveis adequado para substituir o diesel no transporte de cargas? A resposta para essas perguntas é não.

De fato, precisaremos do petróleo e do gás natural por mais algumas décadas, o que não significa deixar de investir na transição energética. Os biocombustíveis, por exemplo, são um valioso ativo brasileiro que deve ganhar espaço na matriz energética, mas é preciso tempo. Em benefício do debate, algumas informações a serem consideradas. 

Atualmente, o Brasil é o sétimo maior produtor de petróleo e gás natural. Ocorre que, por volta de 2030, com o declínio do petróleo produzido na região do pré-sal, se não aumentarmos a produção poderemos ter que importar, como demonstram dados produzidos pela Empresa de Pesquisa Energética (empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia).

Tal fato não afetará apenas a balança comercial brasileira, mas a União, estados e os municípios que recebem royalties e participações especiais pagas pelos produtores de petróleo. Em outras palavras, podemos deixar de gerar riqueza financeira para a sociedade brasileira para passarmos a importar petróleo e gás natural produzido em algum outro lugar do planeta. 

Segundo dados da ANP, em 2024 foram pagos pelos produtores de petróleo e gás natural cerca de R$ 100 bilhões para a União, estados e municípios. Tendo em vista o impactante volume de recursos que é gerado nesse setor, os cientistas climáticos deveriam utilizar o espaço que lhes é dado durante as COPs para tratar da governança dos recursos oriundos dos royalties do petróleo.

A criação de fundos soberanos com regras claras e perenes pode melhorar substancialmente a governança desses recursos financeiros. O município de Niterói e o estado do Espírito Santo são bons exemplos. Criaram os seus fundos soberanos e passaram a frequentar o topo dos rankings de IDH.

Tais recursos devem ser empregados em projetos estruturantes, capazes de melhorar a vida das atuais e das futuras gerações, como projetos conectados à transição energética, à mitigação e à adaptação às mudanças climáticas.

Um exemplo concreto e recentíssimo: a Noruega, até agora, é o país que se comprometeu a aportar o maior volume de recursos no Fundo Florestas Tropicais para Sempre, anunciado às vésperas da COP30. Tais recursos têm origem em um fundo soberano formado com a receita proveniente da produção de petróleo. A Noruega é também a principal investidora no Fundo Amazônia, com recursos com igual origem.

Por outro lado, é preciso denunciar o uso populista e eleitoreiro desses recursos, que vão acabar junto com o petróleo sem criar reais oportunidades de melhoria social e climática. A falta de um amplo debate, capaz de informar a população e constranger a classe política, faz com que o uso inadequado desses recursos por estados e municípios supere os bons exemplos. 

O discurso superficial que prega a imediata abolição dos combustíveis fósseis como o caminho para salvar o planeta é sexy, mas absolutamente desconectado da realidade. Nubla as discussões que realmente podem acelerar a transição energética. Perde-se tempo e a oportunidade de avançar em termos reais.

 

 

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Por Opinião
postado em 18/11/2025 06:00
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