
A decisão da Anvisa, publicada nesta quarta-feira, de atender ao pedido da Embrapa e autorizar a pesquisa de cultivo de cannabis pela instituição inaugura uma nova fase no debate público sobre a planta no Brasil. A permissão, claramente delimitada ao âmbito científico e sujeita a controles rígidos, representa tanto um avanço técnico quanto um teste de governança regulatória em um tema que convive com estigmas sociais e interesses econômicos.
A bem da verdade, no plano jurídico, o Brasil ainda não adotou um regime amplo de cultivo para uso medicinal — a produção autorizada tem sido concedida caso a caso, sob critérios da Anvisa e do Ministério da Saúde, e a comercialização permanece estritamente regulada. A decisão da agência sobre a Embrapa retoma precedentes administrativos e votos técnicos que condicionam autorizações a projetos individuais e a regras de segurança, mostrando que a política pública tem avançado por decisões pontuais, sem um marco único e consolidado.
Em termos de acesso e produção, o Brasil vem observando um crescimento significativo no número de pacientes que recorrem a produtos à base de cannabis medicinal, reflexo do aumento de prescrições médicas, importações e da oferta privada, o que pressiona por soluções de produção nacional, redução de custos e maior integração regulatória. No plano global, a produção legal para fins medicinais e científicos também cresceu nas últimas décadas, com alguns países consolidando cadeias de cultivo e exportação que moldam mercados regionais.
A autorização concedida à Embrapa não equivale, por si só, à liberalização do mercado: ela habilita a pesquisa agronômica, seleção de cultivares, testes de estabilidade e padronização analítica — elementos essenciais para produzir insumos farmacêuticos seguros e economicamente viáveis. Se convertida em política pública integrada, essa capacidade técnica pode reduzir importações, aumentar a oferta de insumos nacionais, fomentar inovação e gerar conhecimento sobre cultivares adaptados ao clima brasileiro. Se relegada a iniciativas pontuais, seu impacto prático será limitado e de alcance restrito. E, como consequência, preços exorbitantes nas prateleiras das farmácias.
No âmbito do SUS, a cannabis medicinal não figura como política de saúde universal e rotineira. O acesso público é restrito a exceções, protocolos específicos e, em muitos casos, decisões judiciais que obrigam o fornecimento. A maior parte dos tratamentos no Brasil ocorre via compra particular, importação direta ou por meio de empresas que registram produtos no país. O desafio é integrar avanços científicos a programas públicos de saúde com critérios de necessidade clínica e avaliação de custo-efetividade.
A autorização da Anvisa para a Embrapa, portanto, é um sinal positivo de maturidade regulatória e aposta na capacidade nacional de produzir conhecimento e insumos. É urgente que a iniciativa seja acompanhada por transparência, controle social, financiamento público para pesquisas clínicas e monitoramento de eficácia e segurança — assim, a promessa poderá virar política pública de saúde. Uma oportunidade histórica e responsável.
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