Visão do Correio

Mais holofotes sobre o envelhecimento do país

O acelerado processo de envelhecimento da população brasileira merece mais holofotes. Há um atraso político e cultural que se contrasta com uma realidade demográfica atravessada pelas desigualdades estruturais do país

Os inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tiveram que dissertar, na prova de redação do domingo, sobre as "perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira". Nada mais oportuno. São esses candidatos — 75% dos inscritos têm até 20 anos — que chegarão a cargos estratégicos do setor público e privado em um Brasil com nova configuração etária. As estimativas indicam que o país terá mais idosos do que crianças em cinco anos e que, em 2050, 30% da população terá mais de 60 anos. Hoje, o percentual é praticamente a metade, 15,6%, e sobram sinais de que à longevidade conquistada faltam qualidade e respeito. 

Balanço divulgado pelo Ministério da Justiça (MJ) às vésperas do Enem ilustra bem a complexidade desse cenário. O órgão deflagrou, em outubro, a Operação Virtude 2025, com o intuito de combater a violência praticada contra pessoas idosas pelo país. No período, 981 suspeitos foram presos, 21.525 vítimas atendidas, 28.174 procedimentos policiais instaurados e 19.209 boletins de ocorrência registrados. A junção de esforços do poder público resultou, obviamente, em números concentrados, mas o comparativo com o saldo de edições anteriores desperta preocupação.

A quantidade de prisões mais que dobrou em um ano (foram 480 na operação de 2024) e aumentou 390% em relação a 2023 (com 200 detidos). O MJ avalia que um dos fatores que contribuíram para esse avanço é a interiorização das ações realizadas, o que reflete, no mínimo, a existência de um desprezo disseminado pelos idosos no país. Os ataques são diversos — físico, psicológico, sexual, financeiro, institucional —, quase sempre impulsionados por vítimas incapazes de denunciar. 

Ao Correio, a delegada Ângela Santos, titular da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), alertou que a perda de autonomia — tanto por razões fisiológicas quanto sociais, como imposta por familiares — é a porta de entrada para os abusos. "Outras violências se instalam a partir do momento em que a pessoa idosa não diz o que fazer com o seu dinheiro, o que fazer com o seu corpo, o que fazer com a sua casa".

Não cabe apenas à polícia assegurar a independência dos mais velhos. Precisa-se também de uma sociedade preparada para a convivência intergeracional, de cidades e sistemas de saúde acessíveis, de opções de lazer diversificadas, do desenvolvimento de serviços e produtos que considerem as demandas dos mais vividos, de um mercado de trabalho aberto aos candidatos maduros. Trata-se, sem dúvidas, de uma configuração que exige novos olhares de todas as áreas de conhecimento. 

Acerta, portanto, o Ministério da Educação (MEC) ao mobilizar essa reflexão entre quem dá os primeiros passos profissionais. O acelerado processo de envelhecimento da população brasileira merece mais holofotes. Há um atraso político e cultural que se contrasta com uma realidade demográfica atravessada pelas desigualdades estruturais do país. Há velhices em curso neste Brasil continental. E todas elas precisam ser vividas com dignidade.

 

 

 

 

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