ARTIGO

O Brasil só tem futuro com bem-viver para todos

O 20 de novembro de 2025 convoca para uma reflexão profunda e para um compromisso coletivo em dar visibilidade e vazão às soluções apontadas há séculos rumo ao bem viver de todas as pessoas

RACHEL QUINTILIANO, jornalista, autora do livro Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia e membro-fundadora da Cojira-DF

Mais de 300 anos após a morte de Zumbi dos Palmares, herói nacional, o Brasil reconheceu sua importância por meio da Lei 14.759/2023, que institui o 20 de Novembro como feriado nacional em sua homenagem e à consciência negra.

Para parte significativa da sociedade brasileira, o 20 de Novembro é conhecido e reconhecido desde a década de 1970, quando o movimento social negro reivindicou a data como um marco de denúncia contra o racismo e de proposição de políticas de reparação e promoção da equidade racial.

No que diz respeito às desigualdades raciais, amplamente identificadas pelos Censos, o país de 1600 e o país de hoje não parecem tão distantes, apesar dos avanços — inclusive em políticas públicas — que ganharam intensidade e efetividade a partir dos anos 2000. Na época de Zumbi, a população negra, livre ou escravizada, era maioria no país. Os números atuais mostram um Brasil com mais de 203 milhões de habitantes, onde pretos e pardos representam quase 60% da população, sendo as mulheres negras a maioria — 57 milhões de pessoas.

Essa não é apenas uma evidência estatística baseada no fenótipo, mas o resultado da ação organizada do movimento social negro, conhecida como "consciência negra". Foi a partir da década de 1990 — quando o quesito cor do Censo passa a ser autodeclaratório e incorpora as categorias que conhecemos hoje (branco, preto, pardo, amarelo e indígena) — que o país se tornou, a cada edição, "mais negro".

Os números são, portanto, uma resposta à convocação dos movimentos sociais negros por "consciência negra" — questão central das principais marchas: Zumbi, Zumbi 10, Marcha das Mulheres Negras (2015) e a marcha prevista para o próximo dia 25, em Brasília, por "Reparação e Bem-Viver".

Os dados do último Censo Demográfico mostram que o país mantém um padrão estrutural de exclusão da população negra, independentemente do indicador analisado. No mercado de trabalho, enquanto a taxa de desocupação entre brancos é de 11,3%, entre pessoas pretas chega a 16,5% e entre pardas, 16,2%. A diferença se repete no rendimento: trabalhadores brancos recebem, em média, R$ 3.099 — valor muito superior aos R$ 1.764 pagos a pessoas pretas e aos R$ 1.814 destinados a pardas. A pobreza também tem cor: considerando a linha de US$ 5,50/dia, 18,6% dos brancos estão abaixo do limite, enquanto 34,5% dos pretos e 38,4% dos pardos. 

Situação semelhante se observa nos dados de moradia, violência e representação política. Em todas as dimensões da vida social, sem exceção, pessoas negras estão em situação pior.

Isso prova, primeiro, que todas as estratégias de embranquecimento da população falharam, assim como o mito da cordialidade e da democracia racial. E, segundo, que uma minoria — seja pela necropolítica, ou seja pelo persistente pacto da branquitude — coloca cotidianamente em curso estratégias que tornam o Brasil um dos países mais desiguais do mundo, em que a perspectiva racial se configura como elemento estruturante dessa realidade.

Portanto, não é exagero afirmar que, em diversas áreas do campo social, as pessoas negras estão em situação de desvantagem. Isso significa que a maioria da população está em desvantagem no acesso a bens e serviços, inclusive públicos.

Se os dados continuarem sendo ignorados e as soluções apresentadas não forem adotadas com eficiência, arrisco dizer que o país, como um todo, entra em colapso social no médio e longo prazo, o que inviabiliza o desenvolvimento. Pessoas negras e não negras estão no mesmo barco, que parece navegar à deriva — ainda que algumas estejam nos porões e outras nas cabines com varanda, comuns nos cruzeiros de alto luxo.

O 20 de Novembro de 2025 convoca, então, para uma reflexão profunda e para um compromisso coletivo em dar visibilidade e vazão às soluções apontadas há séculos — e atualizadas cotidianamente pelo movimento social negro — rumo ao bem-viver de todas as pessoas.

 

 

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