
A cena registrada na arquibancada do Estádio da Ressacada, em Florianópolis, durante a partida entre Avaí e Remo, revelou, mais uma vez, o pior de parte da população brasileira. No vídeo, que rapidamente se espalhou pelas mídias sociais, uma torcedora do clube catarinense dispara ofensas xenofóbicas contra torcedores paraenses. Não se tratou de um episódio isolado, tampouco de um "destempero" momentâneo. O preconceito tem cadeira cativa nas disputas esportivas pelo país.
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Outro episódio recente expôs a mesma lógica excludente, mas em escala diplomática. Questionado sobre a COP30, sediada em Belém, o chanceler alemão Friedrich Merz afirmou que "ficou feliz" por deixar o Brasil após a conferência. "Senhoras e senhores, vivemos em um dos países mais bonitos do mundo. Na semana passada, perguntei a alguns jornalistas que estiveram comigo no Brasil: 'Quem de vocês gostaria de ficar aqui?'. Ninguém levantou a mão. Todos ficaram felizes por termos voltado para a Alemanha, principalmente por termos saído daquele lugar onde estávamos", disse.
Merz reforçou o preconceito, nacional e internacional, de que a Amazônia e suas principais cidades são territórios atrasados, incapazes, indignas de sediar uma conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o meio ambiente. Em nota à BBC News Brasil, um porta-voz do chanceler argumentou que ele "lamentou que, devido à falta de tempo, não tenha podido viajar até a orla da Amazônia e vivenciar em primeira mão a beleza natural deslumbrante da região" e "descreveu o Brasil como um importante país parceiro da Alemanha".
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Os dois episódios retratam a expressão pública de uma prática antiga: a desumanização de quem está longe dos grandes centros, frequentemente tratado como cidadão de segunda classe, inclusive dentro do próprio país. Ainda que boa parte do Brasil se orgulhe de sua diversidade cultural, uma fatia cada vez mais barulhenta e muito poderosa, econômica e politicamente, persiste em uma hierarquia invisível que coloca o Sul-Sudeste como centro civilizatório e relega as regiões Norte e Nordeste a um estereótipo folclórico e inferior.
Tal pensamento é replicado também por quem representa o povo brasileiro no Legislativo e em governos estaduais, como a formação de blocos políticos de viés separatista, como o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), que se une em prol da divisão, por mais contraditório seja.
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Reconhecer a xenofobia contra nortistas é o primeiro passo para combatê-la. Nesse sentido, o Avaí suspendeu o direito da mulher de frequentar seus eventos. O segundo passo é garantir que episódios como os que vimos nas arquibancadas e na COP30 não sejam tratados como casos isolados, mas como retratos de uma sociedade elitista, resistente a abrir mão de privilégios e se abrir à valorização das diversidades. O Brasil só será verdadeiramente plural quando reconhecer, de maneira igualitária e universal, todos os seus Brasis.
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