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Ao Oscar e além... O agente secreto é fabuloso

O filme mostra a ditadura no cotidiano, a vida real nas ruas e nas residências nesses tempos sombrios, disfarçados com o frevo, o carnaval, o vaivém bobo e contínuo, como se tudo estivesse normal, ou como se o anormal fizesse parte do dia a dia.

Muito, muito além da entrega da estatueta do Oscar 2026, vire e mexe, por um motivo justificável ou não, eu vou usar este espaço para pirraçar e estimular a discussão sobre o filme O agente secreto, do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho. Desde 6 de novembro, por ocasião do lançamento do filme em cadeia nacional, está aberta a temporada de telequetes nas redes que vão do amor incondicional à crítica chula ao filme. Eu estarei de escudo na mão, criticando os críticos de plantão. E, veja bem, eu estou longe de ser uma crítica de cinema.

Repare: o cidadão tem todo direito de gostar ou não. Minha lente fixa naqueles que, usando apenas a ótica preconceituosa, atira contra esta que considero uma das mais bem produzidas "reconstituições" de todos os tempos do Brasil. As aspas são para destacar um fato: embora ficção, O agente secreto é tão documental que dói. 

Não, não é um filme regional, não é um filme sobre uma capital do Nordeste, como alguns ousam dizer. Ele apenas descentraliza o foco, ambientando parte da nossa história fora do Centro-Sudeste, porque afinal este eixo não é nem precisa ser o centro de todas as nossas memórias, sobretudo da ditadura militar no Brasil.

O filme é o retrato de uma época que se apresenta como um espelho quebrado, porém com estilhaços colados, que possibilitam ainda ver a imagem, mas em múltiplas camadas, que permitem até a deformação. E não é isso ainda a ditadura: uma memória fragmentada que o Brasil ainda recusa? Cacos de uma história que não se materializa por completo. Será medo da dor? Ode ao horror? 

Há quem sinta falta de mais elementos sobre a ditadura no longa de Kleber Mendonça Filho, cenas dos anos de chumbo nos quartéis ou perseguições apoteóticas nas ruas. O filme mostra a ditadura no cotidiano, a vida real nas ruas e nas residências nesses tempos sombrios, disfarçados com o frevo, o carnaval, o vaivém bobo e contínuo, como se tudo estivesse normal, ou como se o anormal fizesse parte do dia a dia.

Na pele de Marcelo ou Armando, o ator Wagner Moura está deslumbrante em cena e é candidatíssimo a uma estatueta de Melhor Ator. E ainda que não a tenha, pra mim já o é. Destaque também para Tânia Maria, com atuação espetacular. Na real, todo elenco é digno de aplausos em série.

Pré-candidato do Brasil ao Oscar de Melhor Filme Internacional, O agente secreto, aclamado pela crítica internacional, está longe de nos conduzir pelo terreno da obviedade. Recorre a elementos fantasiosos como o gato de duas cabeças ou uma perna cabeluda, que assombra uma cidade (e a minha mente na adolescência), lembrando a todos nós como a fantasia era, sim, instrumento de combate à ditadura, fosse na imprensa, fosse nas artes. Ou se podia falar abertamente sobre outras aberrações?

Quem esperar uma lógica linear ou um desfecho certo vai se decepcionar. Mas, para muitos, como eu, Kleber foi de uma sagacidade e inteligência incríveis, chegando ao ápice de seu estilo com uma narrativa rica do ponto de vista cinematográfico, ousada na forma, mas muito coerente no todo. Para quem souber ver, cada detalhe e mesmo os não ditos, os não mostrados e as ambiguidades daquele tempo estão lá e fazem todo sentido. Tudo tem sua razão de ser. Vá ver e depois me conte. 

 


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