
José Horta Manzano — empresário
Duas semanas atrás, Herr Friedrich Merz, chanceler da Alemanha, fez uma declaração de desdouro ao Brasil, em especial à cidade de Belém, que o tinha recebido dias antes. Discursando perante uma seleta plateia na Associação Alemã do Comércio, foi direto ao ponto: contou que se sentiu feliz de poder deixar "aquele lugar" e voltar a seu país após a visita de um dia que fez à COP30. De suas palavras, exalou profundo desprezo.
O mundo estranhou a declaração. No Brasil, então, ela causou forte rejeição ao personagem. Arguiu-se que era de mau gosto tratar assim o país que o havia acolhido. Ficou, principalmente, a desagradável sensação de um visitante arrogante, que houvesse explodido devido ao acúmulo de pressões profissionais ou pessoais. Talvez, o calor equatorial tenha sido demasiado para seu fusível, que acabou queimando.
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Que ninguém tome este escrito por tentativa de desculpar o chanceler alemão. Não é esse meu propósito. É que, quando o chefe do governo de um país importante age como esse senhor agiu, fico curioso para descobrir o que lhe pode ter passado pela cabeça naquele momento. Excetuando raros líderes como o atual presidente dos EUA, não é comum ouvir essa gente falando abobrinha.
Quando pisou o solo brasileiro em Belém, o senhor Merz estava a dois dias de seu aniversário de 70 anos. Talvez, o aproximar da cifra arredondada lhe tenha perturbado a ideia. Nem todos enfrentamos de bom humor a entrada em nova década de vida. Excetuando essa desculpa anedótica, os caminhos atuais da política de seu país devem estar-lhe dando calafrios.
Para os mais jovens, a queda do Muro de Berlim faz parte da história. Já para os mais antigos, foi acontecimento espantoso, acompanhado no dia e na hora. Este escriba teve o privilégio de assistir pela televisão ao vivo.
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Naquela noite de 9 para 10 de novembro de 1989, os principais canais da Europa suspenderam a programação para transmitir as inacreditáveis imagens que chegavam de Berlim, o povo aglomerado ao pé do Muro, centenas de jovens inebriados diante do inesperado momento de liberdade, os carrinhos Trabant estalando e petardeando ao transpor a passagem entre a Berlim-Este e Berlim-Oeste, gente a pé, gente de bicicleta, todos de sorriso deslumbrado, recebidos por uma turma também sorridente e solícita apesar da noite fria de novembro. Foram imagens que ficaram na retina para nunca serem esquecidas.
Menos de um ano depois, estavam reunificadas as duas Alemanhas, que eram relíquias da divisão do país decidida na Conferência de Potsdam, em 1945. Assim, em princípio, a Alemanha Oriental (comunista) e a Ocidental (capitalista) passaram a formar um único país. No entanto, passados 36 anos, as duas antigas Alemanhas ainda não formam um Estado uniforme.
O salário é um bom exemplo. Nos estados da antiga Alemanha Ocidental (capitalista), o salário mensal médio é hoje de 4.810 euros. Já nos estados que formavam a antiga Alemanha socialista, o salário é de 3.973 euros. O número de desempregados é outro indicador da desigualdade. Nos estados da antiga Alemanha Ocidental, a taxa é de 5,7% de desempregados, enquanto ela é de 7,5% nos estados orientais. A diferença dos PIBs per capita é ainda mais impressionante. No Oeste, 54.162 euros, e no Leste, 37.711 euros. O envelhecimento da população é outro indicador que denota a baixa atividade produtiva do Leste em contraste com o Oeste.
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Essas disparidades entre Estados alemães é perigosa. O permanente descontentamento da população da antiga Alemanha socialista é caldo de cultura propício à criação de partidos políticos saudosistas, que se aproveitam da insatisfação para se implantar e florescer. O AfD, partido da extrema direita xenófoba e neonazista, professa ideologia nacionalista, excludente, antieuropeia e anti-imigração. A cada nova eleição, tem plantado raízes cada vez mais profundas na antiga Alemanha comunista. Eis o exemplo de um movimento que, a continuar crescendo, periga balançar a democracia alemã.
Herr Merz é primeiro-ministro há somente seis meses. Além das dores de cabeça causadas por uma Ucrânia invadida pela Rússia e das contrariedades do dia a dia, o chanceler tem esse problemão de conduzir duas Alemanhas que se entendem, mas não se compreendem. Ele não quer passar para a história como aquele que facilitou a volta do nazismo a seu país.
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