
Oded Grajew — Presidente emérito do InstitutoEthos, idealizador do FórumSocial Mundial, conselheiro doInstituto Cidades Sustentáveis emembro do Pacto Nacional peloCombate às Desigualdades
O Brasil é um dos países com as maiores desigualdades do mundo, apesar de ter uma das 10 maiores economias. Essa vergonhosa situação está na origem de todas as nossas mazelas. Inúmeros estudos mostram que sociedades menos desiguais são sociedades menos violentas, com melhores indicadores econômicos, sociais e ambientais. As desigualdades minam a confiança das pessoas na democracia e nos sistemas políticos. Formam sociedades de castas que competem por status e poder, alimentam a violência social e os preconceitos, destroem a confiança entre as pessoas e da população em relação às instituições. O sucesso de qualquer coletivo humano depende da qualidade das relações entre as pessoas. As desigualdades e o sentimento de injustiça promovem a desarmonia entre as pessoas.
Se queremos construir um país mais justo e próspero, precisamos agir sobre os processos que construíram e continuam alimentando as nossas desigualdades. O Observatório Brasileiro das Desigualdades, uma iniciativa da ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades) com coordenação técnica do Dieese, revela a abrangência (educação, saúde, renda riqueza e trabalho, meio ambiente, desigualdades regionais etc.) e o escandaloso tamanho das desigualdades brasileiras.
As desigualdades brasileiras não são obra do acaso. Foram construídas ao longo do tempo pelos detentores do poder do nosso país ( Executivo, Legislativo e Judiciário), que elaboram e aprovam os orçamentos públicos, as leis, as normas jurídicas, as políticas econômicas, sociais e ambientais nos municípios, nos Estados e a nível federal. Decidem os critérios para a alocação dos recursos, as normas que determinam os grupos prioritários.
Somos produto de nossas escolhas. Nos países menos desiguais, por exemplo, os ricos pagam proporcionalmente mais impostos do que os pobres. No Brasil, é o contrário. Os países menos desiguais do mundo e que encaram a igualdade como elemento fundamental para que o desenvolvimento tenha como objetivo promover a qualidades de vida para todos os cidadãos (os escandinavos, por exemplo) consideram de extrema importância ter uma representação política que seja um espelho da sociedade, para que as decisões políticas sejam mais justas e tenham como objetivo reduzir as desigualdades.
Em todos os indicadores do Observatório Brasileiro das Desigualdades, aparecem com destaque as desigualdades de raça e gênero, entre negros e brancos e entre homens e mulheres. Para entender esse quadro, vejamos como é a representação política no Brasil: negras e negros representam 55,9% da população, mas ocupam 45,8% das cadeiras nos Legislativos municipais, 35,1% nos Legislativos estaduais, 26,3% na Câmara dos Deputados, 22,2% no Senado Federal, 33,5% nos cargos executivos municipais e 13,7% nos tribunais de justiça. Apenas nove governadores de estado são negros. As mulheres representam 51,1% da população, mas ocupam 18,2% das cadeiras nos Legislativos municipais, 18% nos Legislativos estaduais, 17,7% na Câmara dos Deputados, 14,8% no Senado Federal, 18,2% nos cargos executivos municipais e 38,8% nos tribunais de justiça. Apenas duas mulheres ocupam a vaga de governadoras de estado. No Supremo Tribunal Federal, que deveria servir de exemplo para todos os tribunais brasileiros, temos apenas uma mulher e nenhuma pessoa negra. Se queremos combater as desigualdades precisamos mudar essa realidade.
Está escrito na Constituição brasileira, no capítulo dos Princípios Fundamentais: "Constituem objetivos fundamentais do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais". Todas as decisões e ações dos governos e sociedade deveriam seguir a Constituição. Presidente, governadores e prefeitos têm o poder de indicar e nomear ocupantes de cargos executivos e de juízes dos tribunais. Essas indicações e nomeações deveriam seguir o que manda a nossa Constituição e, portanto, servir para a redução das desigualdades, aumentando a participação de mulheres e pessoas negras. Certamente, há no Brasil muitas mulheres e pessoas negras que preenchem todos os requisitos para ocupar essas vagas. A redução das desigualdades brasileiras está praticamente em todos os discursos dos políticos, mas só acontecerá quando promessas e discursos sejam acompanhados por decisões e ações concretas.
