
Maurício Antônio Lopes — pesquisador da Embrapa Agroenergia
As previsões sobre o impacto da inteligência artificial (IA) têm ganhado espaço e, muitas vezes, mais assustam do que esclarecem. Multiplicam-se discursos anunciando uma ruptura total, com máquinas tomando decisões sozinhas e robôs realizando todas as tarefas do cotidiano. Para alguns, essa visão promete abundância; para outros, levanta temores sobre o futuro do trabalho e o papel das pessoas na sociedade.
Mas esses futuros imaginados pouco dialogam com a complexidade do mundo real, que segue dependente de energia, infraestrutura, logística, instituições sólidas e, sobretudo, de gente qualificada para fazer tudo funcionar. A tecnologia avança rápido, mas não o bastante para substituir o que nos define como humanos: criatividade, julgamento, empatia e a capacidade de lidar com o inesperado — competências que sustentam qualquer sistema que precisa operar com segurança.
A automação não elimina a necessidade de pessoas. Mesmo os sistemas digitais mais modernos dependem de redes elétricas, telecomunicações, transporte, máquinas e equipamentos que exigem instalação, calibração e manutenção. Quanto mais automatizada a estrutura, maior a responsabilidade de quem garante seu funcionamento. Em vez de extinguir o trabalho, a inteligência artificial tende a transformá-lo e valorizá-lo.
As próprias lideranças da tecnologia divergem sobre esse futuro. Elon Musk projeta um mundo de abundância total, no qual o trabalho seria quase dispensável. Já Jensen Huang, CEO da Nvidia, defende que a prosperidade dependerá cada vez mais de profissionais capazes de resolver problemas reais no mundo físico, onde as máquinas ainda encontram limites. Ele ressalta que eletricistas, técnicos, operadores, engenheiros e agricultores qualificados continuarão essenciais na economia que está surgindo.
Essa discussão é especialmente importante para os jovens, que, muitas vezes, se perguntam se ainda vale a pena investir em profissões técnicas ou científicas diante das narrativas de que "a IA fará tudo". A realidade indica que há espaço — e, possivelmente, mais oportunidades — para quem sabe unir tecnologia e prática. Profissões que envolvem interpretação, decisão e cuidado tendem a se transformar, não a desaparecer.
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Há também um aspecto pouco discutido: a automação amplia riscos. Sistemas digitais complexos podem falhar ou sofrer ataques, e sua recuperação depende de equipes preparadas. Quanto mais conectada a economia se torna, maior o valor de profissionais capazes de garantir segurança, continuidade e confiança nos serviços essenciais — do abastecimento de água à produção de alimentos, do transporte à rede elétrica.
A inteligência artificial levanta ainda questões éticas e sociais. Quem decide como os algoritmos são usados? Quem responde por erros ou vieses? Essas escolhas continuam humanas e exigem instituições capazes de assegurar transparência, responsabilidade e equidade. Tecnologia poderosa sem ética pode aprofundar desigualdades; com boa governança, amplia oportunidades.
O Brasil tem condições únicas para transformar essa transição em vantagem competitiva. Possui base científica consolidada, diversidade produtiva e uma demanda crescente por soluções sustentáveis. Ao avançar em formação, pesquisa e fortalecimento institucional, o país poderá ocupar posição estratégica em áreas como bioeconomia, energias limpas, digitalização da produção e agricultura de baixo carbono.
Na agropecuária, essa transformação já aparece de forma clara. Máquinas autônomas, sensores, drones e modelos climáticos chegam ao campo, mas só geram resultados quando há operadores preparados para interpretar dados e tomar decisões de manejo. Em muitas regiões, o maior desafio já não é a tecnologia, e, sim, a falta de profissionais capazes de mantê-la funcionando. O agro moderno precisa tanto de especialistas em irrigação de precisão quanto de eletricistas agrícolas e jovens aptos a lidar com máquinas e sistemas digitais.
Para quem está começando a vida profissional, esse é um convite. Trabalhar com tecnologia não significa ficar restrito ao mundo virtual, mas usar ferramentas inteligentes para resolver problemas reais: produzir alimentos, cuidar da água, expandir energias limpas, melhorar cidades, fortalecer redes de saúde, aprimorar transportes e proteger ambientes naturais. É um caminho de trabalho com propósito e impacto concreto, em áreas que seguirão essenciais para o futuro da sociedade.
O futuro da inovação não será escrito apenas por algoritmos. Será moldado pela convergência entre tecnologias cada vez mais poderosas, instituições capazes de orientar seu uso e o talento humano que dá sentido e direção às soluções. Essa síntese definirá o caminho de um desenvolvimento mais próspero e inteligente para o Brasil. Quando unimos criatividade, responsabilidade e tecnologia, ampliamos nossa capacidade de imaginar novos caminhos, resolver problemas complexos e construir um amanhã mais justo, sustentável e pleno de possibilidades.
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