
Eunice Porto — psicóloga, empresária, palestrante, escritora
O Brasil emudeceu durante o carnaval, aguardando ansiosamente pelo reconhecimento desse filme que deixou o mundo perplexo ao retratar o momento político em que os ditadores calavam a todos que quisessem ter vez ou voz. Parabéns aos diretores e à atriz Fernanda Torres pela merecida conquista.
Quisera todos os silenciados no Brasil pudessem ser e ter seus direitos reconhecidos e verdadeiramente ocupar espaços de fala, como medida de justiça, em tantas outras áreas ou situações em que também foram oprimidos.
A ditadura silenciou e matou muitos, mas antes dela, nos vários anos de escravização, o que aconteceu foi muito mais triste e violento; o pior é que isso ainda se mantém de forma velada, e, por mais que busquemos um espaço maior perante a sociedade, levantando bandeiras de diversidade e inclusão, ainda não há empatia; afinal de contas, só reconhece quem viveu a dor. Infelizmente, permanecemos com esse pensamento ainda hoje; e, se o problema não é meu, o outro que resolva.
A cada dia mais, a empatia e a solidariedade saem pela porta da frente e estão sendo mais facilmente representadas pelos movimentos de defesa dos "pets" do que de um ser humano para outro. Quando pensamos em justiça plena, estamos apenas começando a engatinhar. Infelizmente, longe ainda de realmente caminhar a passos largos.
Você acha que eu falo de pretos e brancos? Não só. Ainda falo de justiça, de excluídos e repetição da história; quando a família Paiva é homenageada em São Paulo e o filho Marcelo Rubens Paiva é agredido, não estamos falando da época da ditadura, mas de um evento triste e que se manteve como fruto dela, como se fosse uma parte do DNA. E, assim como ele foi atacado, o povo preto também passa pela mesma violência diariamente.
Mudando a cena, o enredo é o mesmo. A pergunta ainda é: por quantas gerações mais essas memórias ainda precisam ser vividas como feridas?
Enquanto fingirmos que o Brasil é um país pacífico, negarmos que não vivemos o abuso de poder europeu em relação aos indígenas e aos africanos e seus descendentes, falsamente continuarmos acreditando que está tudo bem, mais firmemente seguiremos adiante sem abrir espaço para limpar as feridas e tratá-las até se transformarem em cicatrizes, todas marcas que são fruto de abusos, de qualquer espécie, quer sejam os que definem nossa história preta ou outros abusos cometidos em nome da "pseudo-justiça". Por mais que apontemos o efeito devastador da escravização brasileira, menos o país embranquecido reconhece sua responsabilidade, forçando a nos blindarmos e vivermos em estado de alerta e proteção constante, colocando limites e evitando a invasão de quem somos.
Passado não se muda, mas a consciência muda histórias, e isso transforma vidas. Podemos incluir a todos os excluídos no coração e não apenas em nossas ações, sem que haja perda de nossos direitos, inclusive a vida.
Vivemos em 2022/23 uma tentativa de golpe de Estado, e, se não existissem leis ou algo muito maior cuidando para que a história não repetisse, provavelmente estaríamos vivendo neste momento uma das maiores crises de retrocesso no país, da mesma forma que aconteceu no período da escravização do povo africano.
Mas, como dizia Hermes Trismegisto, tudo que está fora corresponde ao que está dentro, assim como o que está acima corresponde ao que está abaixo, à direita ou à esquerda etc.; mas tudo pode ser modificado se cada um fizer a sua parte. Ditadura, escravização, abusos entre tantas outras faces do mal não deveriam caber mais na história do nosso país, mas, enquanto uma mãe preta deixar de dormir porque seu filho saiu, sem ter certeza de que ele vai voltar vivo, seja na periferia, seja nos grandes centros, simplesmente por ser um homem preto, ainda estaremos em perigo, e nossa história, também.
Precisamos lembrar o tempo todo que somos todos corresponsáveis pela mudança que queremos ver fora; mas toda mudança começa dentro. Se mudarmos pensamentos, sentimentos e sensações, teremos o poder de mudar o mundo e seu preconceito.
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