ARTIGO

A maior e melhor participação indígena da história de todas as COPs

Pela primeira vez, os povos indígenas não apenas estiveram presentes em grande número em uma COP, mas exerceram influência direta sobre o conteúdo e as orientações políticas do processo multilateral

Sonia Guajajara — ministra dos Povos Indígenas do Brasil

A COP30 em Belém do Pará foi um marco histórico nas negociações climáticas globais. Pela primeira vez, os povos indígenas não apenas estiveram presentes em grande número, mas exerceram influência direta sobre o conteúdo e as orientações políticas do processo multilateral. Realizada na Amazônia, região decisiva para o equilíbrio climático planetário, a conferência evidenciou uma mudança estrutural: nenhuma estratégia climática será eficaz sem considerar os povos indígenas como atores centrais das soluções.

Essa participação inédita foi fruto de um processo preparatório intenso. O ciclo de formação COParente percorreu todas as regiões e biomas do país, promovendo debates sobre clima e governança territorial. O programa Kuntari Katu, em parceria com o Itamaraty, preparou jovens lideranças indígenas para o funcionamento multilateral. Essas iniciativas garantiram que os delegados chegassem a Belém com capacidade técnica e enraizamento territorial, fortalecendo o protagonismo indígena. A presidência da COP30 abraçou esse espírito, apoiando o lançamento do Círculo dos Povos, espaço de diálogo internacional que acolheu demandas de povos indígenas e comunidades tradicionais.

A Aldeia COP tornou-se o coração da conferência. Acolheu 3.500 pessoas de mais de 100 povos e recebeu 5 mil visitantes de centenas de países. Ali, realizaram-se debates estratégicos, apresentações culturais, práticas de cura ancestral e encontros internacionais. Saúdo, ainda, a Cúpula dos Povos, que retomou o protagonismo dos movimentos sociais com importantes espaços de articulação e construção.

Na Zona Azul, quase 900 indígenas foram credenciados — a maior delegação já registrada em uma COP, não apenas em número, mas em grau de organização e capacidade de incidir nas negociações. Em Dubai, na COP28, havia cerca de 350 indígenas credenciados, numa relação de sete lobistas dos setores de petróleo e mineração para cada indígena. Em Belém, a proporção passou a ser dois para um.

Pela primeira vez em 30 COPs, os direitos territoriais indígenas foram reconhecidos como políticas de mitigação necessárias para uma transição justa. Também pela primeira vez nos textos oficiais foi afirmada a necessidade do consentimento livre, prévio e informado para ações que envolvam povos indígenas.

Mas as conquistas não se limitaram à agenda de negociação. Assinei, em nome do presidente Lula, o compromisso intergovernamental de posse da Terra, que prevê a proteção de 59 milhões de hectares de florestas até 2030. Somado a outros países, esse compromisso alcança 160 milhões de hectares protegidos no planeta. No Brasil, durante a COP, foram homologadas quatro terras indígenas, 10 portarias declaratórias foram assinadas, seis relatórios de identificação e delimitação publicados e outras 10 reservas indígenas foram constituídas, reafirmando o compromisso do governo com a demarcação e proteção dos territórios. Celebramos, também, a declaração contra o racismo ambiental e a decisão de incorporar comunidades locais nas estruturas oficiais da Convenção até a COP32.

No campo do financiamento climático, avançamos com três iniciativas estratégicas: a renovação do compromisso financeiro de fortalecimento da posse da Terra, a criação do Fundo Vítuke de apoio à gestão ambiental indígena e o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), a mais inovadora iniciativa da história do financiamento climático, com implementação prevista para 2026. É legítimo reconhecer que muitos alertaram para os riscos de transformar a natureza em mercadoria, subordinando árvores, rios e territórios à lógica do mercado, mas o TFFF nasce justamente para romper com essa mentalidade. Foi concebido para garantir que ao menos 20% dos recursos sejam destinados e geridos de forma direta pelas populações que vivem e cuidam da floresta, reconhecendo que são elas as guardiãs da biodiversidade e da vida. Ao colocar os povos indígenas no centro da governança afirmamos que não há justiça climática sem justiça territorial.

Na COP30, direitos humanos e meio ambiente caminharam em conjunto. Celebramos a primeira iniciativa de uma Convenção do Clima em favor da proteção dos defensores ambientais e a decisão de avançar, até a COP32, na incorporação das comunidades locais — afrodescendentes e povos tradicionais — nas instâncias oficiais.

Esses resultados expressam a força de uma ação coletiva. Como disse Paulo Freire, "sonho que se sonha só é só um sonho. Sonho que se sonha junto vira realidade". A presença indígena em Belém foi a concretização desse sonho coletivo, unindo múltiplas lideranças e visões em um esforço político comum.

O legado da COP30 é inequívoco: territórios indígenas, políticas de proteção florestal e sistemas de governança ancestral são componentes inseparáveis de qualquer estratégia climática eficaz. 

 

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