Andréa Jácomo — pediatra, mãe de dois, professora de medicina do Ceub
As cartinhas para o Papai Noel já começaram a chegar aí na sua casa? Aqui, o clima chega quando nos reunimos para montar a árvore, enfeitar a casa e preparar uma torta que é tradição da família. Apesar dos meus, agora adolescentes, já não escreverem mais cartinhas para Papai Noel, como mãe, conheço profundamente o desejo de ver o rosto dos nossos pequenos iluminados ao rasgar o papel de presente. Como pediatra, porém, ao longo de anos dentro de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e do consultório, aprendi que um simples brinquedo pode esconder riscos que, muitas vezes, os pais desconhecem.
Quem tem um bebê em casa, sabe que o mundo é descoberto pela boca. É a fase oral, essencial para o desenvolvimento, mas que exige vigilância. A recomendação é seguir a faixa etária indicada e sempre procurar o selo de segurança do Inmetro. Nessa idade, o primeiro item que precisa ser riscado da lista são brinquedos com peças pequenas ou desmontáveis. Uma regra simples, e que pode ajudar a manter os pequenos seguros, é que, se as peças passam por dentro de um tubo com 3,2 centímetros, oferecem risco de asfixia e engasgo. Evitem também brinquedos que produzam ruídos excessivamente altos, pois a exposição prolongada pode causar prejuízos permanentes à audição.
À medida que eles crescem e começam a correr pela casa, os riscos mudam e os brinquedos eletrônicos são atrativos, mas cuidado com os que utilizam "baterias de botão", aquelas redondinhas, parecidas com moedas. Se o compartimento da bateria não for parafusado e seguro, uma bateria, ao ser inadvertidamente ingerida, pode causar queimaduras químicas graves no esôfago em menos de duas horas. Bexigas/balões de látex, bolinhas de gudes, peças e objetos pequenos representam risco de engasgamento e sufocação. Brinquedos com correntes, tiras e cordas com mais de 15 centímetros devem ser evitados devido ao risco de estrangulamento de crianças pequenas.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Outro alerta fica para os kits de maquiagem e esmaltes. A pele da criança é muito mais fina e permeável que a do adulto, muitos desses produtos contêm substâncias tóxicas e desreguladores endócrinos, químicos que "imitam" hormônios e podem levar à puberdade precoce e alergias. Ainda nessa fase, os patinetes, skates e bicicletas devem vir acompanhados com os equipamentos de proteção. Traumatismo craniano em quedas bobas é uma das causas mais comuns de visitas ao pronto-socorro nesta época.
Chegamos à fase da pré e da adolescência. Aqui, o pedido número um nas cartinhas, inclusive na minha casa, é o smartphone com acesso às redes sociais. E é aqui que precisamos ter a coragem e não ceder aos apelos do espírito natalino. Dados publicados, agora em dezembro, no Pediatrics, principal revista científica de pediatria, acende outro sinal de alerta para as famílias. A pesquisa acompanhou mais de 10 mil adolescentes e revelou que dar um smartphone aos 12 anos de idade pode ter consequências significativas para a saúde. Comparados aos jovens sem o aparelho, os adolescentes com smartphone nessa idade tiveram um aumento de 62% no risco de ter sono insuficiente, 40% de obesidade e uma chance 31% maior de receber diagnóstico de depressão.
O Brasil deu um passo importantíssimo, em janeiro de 2025, com a aprovação da Lei Federal 15.100/2025, proibindo o uso de celulares dentro das escolas. Isso não é retrocesso; é proteção do espaço de aprender e socializar. Outros países, como Estados Unidos, Suécia, França, Reino Unido e Alemanha, discutem o impacto das telas e das redes sociais para menores. A Austrália, numa medida nada popular, acabou de aprovar uma legislação histórica banindo o acesso a redes sociais para menores de 16 anos. Esse é o caminho? Sinceramente, ainda tenho minhas dúvidas. Sei, entretanto, que precisamos discutir urgentemente a responsabilização dos conteúdos de incentivo ao ódio, misoginia e discriminação pelas plataformas. Proteger os cérebros ainda em formação das nossas crianças e adolescentes é nossa obrigação.
Não escrevo para estragar as compras de Natal, escrevo porque já segurei a mão de muitos pais chorando por acidentes evitáveis, por situações críticas envolvendo cyberbullying, desafios mortais e autolesões. O meu desejo é que a data seja lembrada pelas risadas, pela bagunça na sala, pelo afeto e não por uma visita à emergência.
Saiba Mais
