VACINAS

Presidente da Anvisa diz que ameaça de líder do governo causa "estranheza"

"Não consigo conceber o que justifica isso", disse. Na última quinta-feira, o deputado Ricardo Barros disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que enquadraria a agência se não houvesse maior flexibilização para regras de aprovação de vacinas

Sarah Teófilo
postado em 05/02/2021 10:00 / atualizado em 05/02/2021 10:02
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Antônio Barra Torres, rebateu na últimaquinta-feira (4/2) ao Correio críticas e ameaça de “enquadramento” proferidas pelo líder do governo naCâmara, Ricardo Barros (PP-PR). Antes de participar de transmissão ao vivo ao lado do presidente da República, Jair Bolsonaro, que defendeu a independência da agência, Torres afirmou que as declarações do deputado são injustificáveis e atingem diretamente os servidores.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo na quinta-feira, Barros, que já foi ministro da Saúde no governo de Michel Temer, disse que pressionaria a Anvisa politicamente e ameaçou “enquadrar” a agência reguladora, caso não houvesse uma maior flexibilização nas regras para aprovação de vacinas contra a doença causada pelo novo coronavírus. A agência vem sofrendo pressões para flexibilizar regras em relação a vacinas, em especial para liberar o uso da vacina russa Sputnik V, apesar de o presidente Torres negar.

Ao Correio, ele afirmou ainda que sempre tem contato com parlamentares pautado na cordialidade, e que “essa situação destoa completamente”. “Causa muita estranheza”, afirmou. Questionado se vislumbrava um motivo para as afirmações ocorridas um dia depois de a agência retirar a exigência de estudo fase 3 no Brasil, o que beneficia diretamente a Sputnik, Torres disse que não consegue “encaixar nada”. “Acredito no entendimento entre pessoas. Não consigo conceber o que justifica isso. A agência mais rápida do mundo em análise vacinal chama-se Anvisa”, afirmou.

De acordo com ele, as críticas do líder do governo já seriam ruins vindas de qualquer pessoa. “Atinge diretamente os servidores da Anvisa. Pessoas que estão há meses trabalhando no seu limite e lidando com itens sérios e responsabilidades imensas. São pessoas que não tem final de semana, férias, se dedicando, e ao invés de receber uma palavra de reconhecimento, recebem ameaça de enquadramento”, disse.

O presidente ainda questiona o que o deputado quis dizer com isso. “Confesso que eu não sei como um parlamentar faz um enquadramento de um órgão de estado. Enquadra no que? Em alguma lei? Ato criminoso? Acho muito complicada essa fala. E depois acusa que nós não estamos nem aí. Nem aí para o quê? Para os mais de 200 mil mortos? Para as novas cepas? Para as dificuldades imensas de efetuar gestão pública no enfrentamento da pandemia?”, questionou. De acordo com ele, se o parlamentar tivesse solicitado um relatório, teriam apresentado “uma infinidade de medidas”. “Pegou muito mal”, completou.

Em transmissão ao vivo ao lado de Torres, após as falas do líder do governo, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a agência “não pode sofrer pressão”. “Uma agência não pode sofrer pressão de quem quer que seja. Eu não interfiro em agência nenhuma. Eu posso é conversar com o pessoal, sem problema nenhum. Assim como ninguém pode, acredito, pressionar a Anvisa", afirmou.

Pouco antes, as pressões continuaram com decisão no Senado Federal que facilita a compra da vacina russa e de outros imunizantes. O texto ampliou “o rol de autoridades sanitárias internacionais cujo registro de vacinas será reconhecido ou aproveitado no Brasil", incluindo a Rússia, Coreia do Sul, Canadá e Argentina.

A medida passou a prever que a Anvisa concederá em até cinco dias "autorização temporária de uso emergencial para a importação, a distribuição e o uso de qualquer vacina contra a covid-19" aprovada em caráter temporário ou definitivo nesses países, além dos Estados Unidos, União Europeia, Japão, China e Reino Unido, como já era previsto em MP 1.026, editada em janeiro deste ano. Até agora, esse prazo é de 30 dias.

Também em transmissão ao vivo, o presidente comentou texto aprovado, dizendo que a matéria "come etapas" da Anvisa e questionando Torres sobre o teor. "O Parlamento é um poder aí autônomo, independente. Essas medidas de suprimir prazos, lógico que existe uma pandemia, todo mundo quer salvar vidas... Como a Anvisa vai interpretar estas questões se, por exemplo, algum prazo diminuir drasticamente? Porque vai passar por uma possível sanção minha. Posso vetar também", disse, pontuando que seu veto poderia ser derrubado.


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