ATAQUES AO STF

Por unanimidade, STF aceita denúncia contra Daniel Silveira e deputado vira réu

Parlamentar bolsonarista foi preso após ameaças contra ministros do Supremo. "Liberdade de expressão não se confunde com liberdade de agressão", afirmou ministro Alexandre de Moares

Sarah Teófilo
postado em 28/04/2021 16:42 / atualizado em 28/04/2021 20:41
 (crédito: Reprodução/Redes sociais)
(crédito: Reprodução/Redes sociais)

Por unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acataram denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) por ataques e ofensas contra ministros do STF e ele se tornou réu no inquérito que apura financiamento e organização de atos antidemocráticos. Silveira está preso em regime domiciliar. Em fevereiro, ele foi detido em flagrante por determinação do ministro Alexandre de Moraes e a prisão foi confirmada depois por unanimidade pelo plenário da Corte.

O parlamentar foi detido depois de divulgar vídeo defendendo o ato institucional número 5 (AI-5), o mais duro da ditadura militar, e ofendendo ministros do Supremo, além de incentivar ações violentas contra os magistrados. A denúncia foi feita pela PGR ainda em fevereiro, logo após a prisão ser confirmada pela Corte. O órgão aponta cometimento dos crimes de coação, incitação de animosidade entre as Forças Armadas e instituições civis, e incitação de outros crimes para tentar impedir, com o emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos poderes da União, previstos na Lei de Segurança Nacional. A referida lei é alvo de discussão na Câmara, que pretende revogá-la e aprovar outra em seu lugar.

 

Silveira é alvo do inquérito que apura atos antidemocráticos e no das fake news, ambos relatados pelo ministro Alexandre de Moraes. Em seu voto, o magistrado ressaltou as várias ofensas e ataques proferidos por Daniel. "Liberdade de expressão não se confunde com liberdade de agressão. Liberdade de expressão não se confunde com anarquia, desrespeito ao estado de direito e uma total possibilidade da defesa principalmente por parte do parlamentar da defesa da volta da ditadura, de fechamento do Congresso e do STF", afirmou.

O ministro ainda frisou a autonomia do Judiciário. "Temos o direito e dever de zelar por isso. Não podemos permitir que ameaças, agressões ao poder Judiciário tentem ou atentem contra a liberdade e imparcialidade. O recado que deve ser dado por essa Suprema Corte e que tranquiliza todos os juízes de primeiro grau, os tribunais, é que o Judiciário não aceita intimidações, ameaças", disse.

 

O advogado de defesa, Jean Cleber Garcia Farias, por sua vez, criticou o fato de Moraes ser vítima e condutor do processo. Ele alegou que o cliente não cometeu os crimes que lhes estão sendo imputados.

"Não tiro os excessos da palavra do deputado. Mas os excessos têm que ser apurados de acordo com o que esta vigente na lei, e não com o que é extraído de um exercício de elasticidade. Temos hoje o dever de pedir que sejam delimitadas as condutas à luz do que está vigente. Não a partir de inferências, ilações e desagrados pessoais. Não podemos transformar a Corte maior do país num gabinete particular para que se use da Constituição para punir seus desafetos", afirmou.

Na denúncia, a PGR lista três vídeos, de 17 de novembro, de 6 de dezembro e, o último, de 15 de fevereiro, no qual o parlamentar agride verbalmente os ministros do Supremo e ataca a instituição. No julgamento, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, afirmou que o deputado “desafia os limites da lei penal”. “Não se trata de imunidade parlamentar, exercício de opinião de tribuna. Se trata de atentar contra aquele que lhe julga”, disse.

Humberto Jacques pontuou, ainda, que "ameaças, impropérios, violência, agressividade” na fala do parlamentar são uma "tentativa de intimidar o poder judiciário”. “O que temos é um cidadão que pela maravilha da democracia chegou ao posto de agente de estado, mas desconhece os limites de comportamento ético e jurídico das pessoas no seio de uma democracia”, frisou.

Houve divergência apenas quanto às cautelares. O ministro Marco Aurélio afirmou que as medidas diversas à prisão implementadas conflitam com a manutenção do mandato, atendendo à tese da defesa do deputado. Ele, entretanto, foi voto vencido, e os ministros decidiram não julgar as cautelares (a prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica, impedimento de uso de redes sociais e de ter qualquer contato com outros investigados do inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos). Existe um recurso da defesa a ser analisado.

Está em andamento no Conselho de Ética da Câmara um processo contra Silveira por quebra de decoro. O colegiado aprovou no mês passado a admissibilidade do processo envolvendo o vídeo do parlamentar contra ministros do Supremo. Em fevereiro, após o Supremo determinar a prisão, a decisão foi confirmada pela Câmara dos Deputados.

LSN

Silveira está sendo denunciado por crimes previstos no Código de Processo Penal e na Lei de Segurança Nacional, que já foi amplamente usada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro contra críticos e opositores. A substituição da lei está, inclusive, sendo discutida na Câmara. A questão foi levantada pelo advogado de defesa, que afirmou que a lei, “odiada pelo ministro Alexandre de Moraes”, agora serve para punir o deputado.

O vice-procurador-geral falou sobre isso, defendendo que esta não é a questão que envolve o julgamento. “Pacifique-se aqui a discussão de que estamos a invocar uma lei antidemocrática, de que estamos invocando um entulho autoritário e perseguindo parlamentares. Aqui se trata de coação no curso de processo”, frisou Humberto Jacques.

O vídeo

No vídeo publicado por Daniel, neste ano, o enfoque especial foi dado ao ministro Edson Fachin, que afirmou ontem ser “intolerável e inaceitável qualquer tipo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”. A manifestação foi uma resposta aos posts de abril de 2018 do ex-comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas, feitos no mesmo dia em que a Corte julgaria um pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fachin era relator do caso.

O assunto veio à tona após o general ter publicado o livro General Villas Bôas: conversa com o comandante, escrito pelo pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), Celso Castro. Na obra, o general relatou que os tuítes foram discutidos com a cúpula do Exército e "teve um 'rascunho' elaborado pelo meu staff e pelos integrantes do Alto Comando residentes em Brasília" e que “tratava-se de um alerta, muito antes que uma ameaça".

No vídeo, o deputado afirma que os 11 ministros do Supremo 'não servem pra porra nenhuma pra esse país', 'não têm caráter, nem escrúpulo nem moral' e deveriam ser destituídos para a nomeação de 'onze novos ministros'. "Vá lá, prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Fala pro Alexandre de Moraes, o homenzão, o f**, vai lá e manda ele prender o Villas Bôas. Vai lá e prende um general do Exército", disparou.

Silveira também usou palavras de baixo calão para se referir aos ministros: “O que acontece, Fachin, é que todo mundo está cansado dessa sua cara de filha da p*** que tu tem, essa cara de vagabundo... várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra, quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte … quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra... Que que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não... eu só imaginei... (...) então, qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada com um gato morto até ele miar, de preferência após cada refeição, não é crime”.

 

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