ENTREVISTA

CPI da Covid: Consórcio Nordeste na mira do senador Eduardo Girão

Parlamentar pede convocação de secretários de Saúde da região para explicarem, por exemplo, por que compraram 300 respiradores que nunca foram entregues de uma empresa especializada na venda de derivados da maconha

Jorge Vasconcellos
postado em 29/04/2021 12:48
 (crédito: Edilson Rodrigues)
(crédito: Edilson Rodrigues)

Os nove estados que formam o Consórcio Nordeste estão na mira do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), titular da CPI da covid-19 do Senado e autor do requerimento que resultou na inclusão de governadores e prefeitos entre os possíveis alvos da Comissão Parlamentar de Inquérito.

Em entrevista ao Correio, Girão nega que defenda os interesses do governo federal na CPI e diz que pediu a convocação dos secretários de Saúde do consórcio "porque muitos hospitais de campanha foram desmanchados antes da segunda onda da pandemia, quando a população mais precisava".

O senador diz que os estados do consórcio devem prestar esclarecimentos à CPI, também, porque pagaram adiantado por 300 respiradores que não foram entregues.

A reportagem apurou que a Justiça da Bahia bloqueou R$ 48,7 milhões em contas da HempCare. O valor equivale ao que foi pago pelo consórcio pelos equipamentos. A empresa, que se apresentou como revendedora de uma fabricante chinesa de ventiladores pulmonares, é, na verdade, especializada na venda de óleos medicinais fabricados a partir da maconha. "O que é que tem maconha com covid e com respirador?", questiona o senador Eduardo Girão. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O senhor tem sido considerado um governista dentro da CPI. O senhor concorda com isso?

Se você acompanhar o nosso trabalho, você vai ver que nós estamos em uma linha de independência. Inclusive, ficou demonstrado isso na própria votação em que um governista de carteirinha, que é o Ciro Nogueira [senador pelo Piauí, presidente nacional do PP), que está com o governo e tudo, não votou na minha candidatura à presidência. Então, a gente tem uma linha de independência. Você deve ter visto os meus requerimentos, eles são para buscar a verdade, tanto de eventuais ações e omissões do governo federal, como também para buscar a verdade sobre as centenas de bilhões de reais de verbas federais que foram enviadas para estados e municípios. O que a gente quer é buscar toda a verdade, e não apenas uma parte da verdade. É preciso um equilíbrio. O próprio plano de trabalho que foi feito pelo grupo dos oposicionistas, e, aí, diga-se de passagem, a gente respeita, e tudo, mas o plano minimizou muito essa questão de estados e municípios na proposta de trabalho deles.

Quais são suas prioridades em termos de investigação?

A gente quer buscar o que aconteceu no Amazonas, a gente vai também chamar os ministros da Saúde, o [ex-ministro Henrique] Mandetta, o [ex-ministro Nelson] Teich, o [ex-ministro Eduardo] Pazuello, por ordem cronológica, assim como também ouvir a PGR [Procuradoria-Geral da República], que é uma peça fundamental nisso aí. São dois requerimentos: o do [senador e vice-presidente da CPI] Randolfe [Rodrigues], que teve 32 assinaturas, e que focava só o governo federal; e o meu, que teve 45, a maioria dos senadores, a partir de uma mobilização popular espontânea. Porque o meu pedido, quero deixar bem claro, foi feito no dia 2 de março. Para o meu requerimento, eu estou recolhendo assinaturas desde o dia 2 de março. Não é uma coisa de agora, depois da decisão do [ministro Luís Roberto] Barroso, [do Supremo Tribunal Federal]. Já vinha nesse foco, para apurar a verdade. Então, os dois requerimentos foram anexados, e o trabalho da CPI tem que ser livre.

Que outros depoimentos o senhor considera importantes?

No meu plano de trabalho eu chamo a PGR, que eu acho fundamental. Por que a PGR? A subprocuradora Lindora Araújo, ela pediu aos governadores informações sobre hospitais de campanha. São vários eventos. Se pegar vários estados, você vai ver que teve hospitais que foram levantados, e gastos milhões. Vou te dar um exemplo: Fortaleza [CE]. Eu relacionei outros municípios também. Lá em Fortaleza foram quase R$ 3 milhões, funcionou cinco meses, começou a chover denúncias, e, aí, da noite para o dia, eles desmancharam o hospital. No momento em que a população mais precisava, não encontrou hospital, agora, na segunda onda. Então, a gente precisa entender isso. Isso aconteceu em vários estados, e a procuradora Lindora Araújo mandou para vários governadores pedindo esclarecimentos sobre isso. Todos os estados que tiveram hospitais de campanha que foram desmanchados antes da segunda onda. A própria subpocuradora-geral deu uma declaração à imprensa dizendo que os governadores não cumpriram o prazo, demoraram para responder. E quando responderam, ela já anunciou que havia irregularidades. No requerimento da CPI, eu relatei 18 estados que tiveram operações da Polícia Federal. Foram dezenas de operações; em alguns estados houve até três operações. São fatos determinados. A gente quer ouvir o Ministério Público, a gente quer ouvir o Tribunal de Contas da União, porque essas operações foram feitas a partir de verbas federais.

Que outra suspeita de irregularidade nos estados chama a atenção do senhor?

Meu requerimento da CPI pede a convocação do secretário-executivo do Consórcio Nordeste [Carlos Eduardo Gabas]. O Consórcio Nordeste tinha uma coisa que a gente precisa buscar informações. Foram comprados 300 respiradores, no auge da pandemia do ano passado, e esses respiradores não chegaram até hoje. E os estados [do Nordeste] adiantaram esse valor [R$ 48,7 milhões]. E um detalhe curioso: foram comprados de duas empresas ligadas à indústria da maconha [uma delas é a HempCare, especializada em óleos medicinais produzidos a partir da erva]. Aí, você me pergunta: 'O que é que tem maconha com covid e com respirador?'. Eu não sei, mas eu gostaria de entender. Isso ficou conhecido no Nordeste como o 'calote da maconha'. Então, nós estamos chamando todos os secretários estaduais de Saúde do Nordeste.

A compra desses respiradores foi feita com recursos federais?

É isso que a gente precisa saber.

Por que o senhor insiste que a CPI tome o depoimento do ministro Marco Aurélio, do STF?

Nós também estamos chamando o ministro Marco Aurélio, convidando, respeitosamente. Por que a gente acha importante? Não foi dele a decisão de abril do ano passado tirando atribuições do governo federal e repassando para estados e municípios? A gente não quer discutir a decisão dele, não é isso. É saber o monitoramento que o STF deve ter para saber se essa atitude diminuiu o impacto de mortes, se aumentou, qual é a base. Porque o grande aprendizado também é que essa CPI pode, além de trazer toda a verdade da gestão da pandemia, tanto do governo federal quanto dos estados e municípios, deixar um legado para que a gente aprenda com os erros eventuais, tanto dos estados quanto do governo federal para as próximas pandemias que podem vir. Porque, segundo especialistas, virão outras pandemias.

E em relação ao governo federal, quais são suas prioridades?

Meus requerimentos estão lá. Então, é ouvir o ministro da Saúde; todos, o Mandetta, o Teich, o Pazuello. Eu peço dados sobre a questão de Manaus, do oxigênio. E aqui, no Distrito Federal, o presidente [Jair Bolsonaro] fez algumas visitas aqui na região, nas cidades satélites, e eu acolhi um requerimento de um colega, o Izalci Lucas [senador pelo PSDB do DF], sobre a questão das andanças do presidente, supostamente causando aglomeração. E a gente quer investigar isso também, sempre dando a ampla defesa, o contraditório. Não é julgar estados e municípios, julgar o governo federal, mas a gente quer fazer um trabalho independente, de verdade.

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