CPI da Covid

Mensagens de Dominghetti apontam atuação para negociar vacinas com Bolsonaro

Trocas de mensagens entre o cabo da Polícia Militar de Minas Gerais (PM-MG) Luiz Paulo Dominghetti, apontado como vendedor autônomo da empresa Davati Medical Supply, mostram que ele e as pessoas que tentavam vender vacinas contra covid-19 ao Ministério da Saúde buscaram o presidente Jair Bolsonaro para negociar imunizantes

Sarah Teófilo
postado em 14/07/2021 17:29 / atualizado em 14/07/2021 18:07
 (crédito: AFP / Noah SEELAM)
(crédito: AFP / Noah SEELAM)

Trocas de mensagens entre o cabo da Polícia Militar de Minas Gerais (PM-MG) Luiz Paulo Dominghetti, que se apresenta como vendedor autônomo de vacinas pela empresa Davati Medical Supply, mostram que ele e as pessoas que atuavam em conjunto na tentativa de vender vacinas contra covid-19 ao Ministério da Saúde, buscaram o presidente Jair Bolsonaro para negociar imunizantes.

Em diversos momentos, Dominghetti e outras pessoas com as quais ele conversa fazem referência ao “reverendo”, que seria o reverendo Amilton Gomes de Paula, já convocado a prestar depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19. Amilton é o presidente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), e atuou intermediando a negociação da Davati com o governo federal.

Algumas mensagens do telefone de Dominghetti com esse teor foram reveladas na última terça-feira pela TV Globo, e confirmadas pelo Correio. Elas mostram uma negociação intensa do cabo e um grupo de pessoas para fechar contrato com o governo federal para a venda de 400 milhões de doses da vacina contra covid-19 da AstraZeneca. O laboratório já disse, entretanto, que as vendas são feitas diretamente ao governo, e que não possui representantes no Brasil.

Propina de US$ 1 por dose

À CPI, Dominghetti relatou que, em 25 de fevereiro, recebeu um pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias, que nega as acusações. Em 16 de março, Dominghetti trocou mensagens com uma mulher identificada como “Maria Helena Embaixada”. Ela afirma: “Ontem o rev (reverendo) esteve com o presidente”. O referendo seria Amilton de Paula. Como resposta, Dominghetti diz: “O problema não é presidente. Mas o ministério. Lá é complicado”.

Outro interlocutor, identificado como “Amauri Vacinas Embaixada”, afirma, em 2 de março, que, em uma reunião no Ministério da Saúde, solicitaram documentos para dar andamento ao processo de compra, citando que poderia ser uma carta ou declaração da AstraZeneca para a Davati, e outra da Davati para a Senah. Dois dias depois, essa pessoa diz que o reverendo foi convocado com urgência para ir ao ministério.

Reunião com o "01"

Já no dia 7, Dominghetti se mostra preocupado com a possibilidade de outro representante estar tentando negociar uma venda de vacinas no ministério. “Alerte o reverendo. Tem outra pessoa no jogo”, afirma. Em seguida, diz: “Deixem o reverendo trabalhar e ninguém vende no ministério sem ser ele. Já disse, nem o próprio Herman vende lá”. Herman Cardenas é o CEO da Davati, empresa que tem sede nos Estados Unidos.

Em outro momento, no dia 8, essa pessoa, identificada como Amauri pede um documento com urgência e diz: “O Bolsonaro está pedindo agora. Para comprar”. Em 15 de março, Dominghetti pergunta a Amauri: “Como foi a visita do reverendo ao 01?”, ao que ele responde: “O reverendo nesse momento está com o 01”. Antes disso, no dia 8, Dominghetti pergunta para Amauri: “Tem previsão do horário desta reunião do reverendo com 01?”.

Dominghetti também troca mensagens com o reverendo, identificado em seu telefone como “Anderson Embaixada”, mas cuja foto é do reverendo. Em 4 de março, ele diz a Dominghetti que está na sala de Roberto Dias, ex-diretor de Logística. “Os outros sequer falaram com ele”. No dia 16 daquele mês, o reverendo envia uma mensagem a Dominghetti: “Bom dia! Ontem falei com quem manda! Tudo certo! Estão fazendo uma corrida compliance da informação da grande quantidade de vacinas!” Ele respondia a Dominghetti, que havia perguntado se haviam lhe posicionado sobre algo. “O ministério nem respondeu o e-mail da Davati”, disse.

Em 13 de março, em conversa entre Dominghetti e Cristiano Carvalho, representante credenciado da Davati no Brasil, o primeiro diz: “Estão viabilizando sua agenda com presidente”. Cristiano, então, respondeu em um áudio: “Dominghetti, por favor, verifica para mim se o presidente vai atender hoje ou amanhã, ou até na terça, porque aí eu preciso mudar o voo e preciso reservar o hotel”. Ao que Dominghetti diz: “Já estão trabalhando para agendar. Me falaram que estão esperando uma resposta do palácio”. Cristiano afirma, então, em seguida: “É importante politicamente, talvez, isso acontecer”.

No mesmo dia, à tarde, Dominghetti envia um áudio a Cristiano, dizendo: "Cristiano, o que eles me falaram, eu nem sabia que ia ter agenda com o Bolsonaro, você que me falou. O que eles me falaram é assim, que estão atuando fortemente lá que agora depende do presidente. Ele não marca agenda, ele fala assim 'vem aqui agora'. Então, assim, de uma forma mais urgente. Agora, para falar com ele em agenda, eles conseguem marcar segunda, terça, quarta, que aí entra na agenda oficial. O que eles estão tentando é que o presidente te receba de forma extraoficial, devido à urgência, é o que eles estão tentando. Agora, agenda oficial eles conseguem marcar. O que eles estão tentando é uma agenda extra oficial".

Cristiano diz, um pouco mais tarde. "O reverendo está dizendo que tá marcando um café da manhã com o presidente às 10h, 9h, eu sei lá, que vai ter um café com os líderes religiosos e a gente vai estar no vácuo. Confirma isso aí para gente colocar uma pulguinha atrás da orelha do presidente, tá?"

Já à noite, Cristiano afirma: “Referendo (sic) me fez ficar aqui e até agora não confirmou o café da manhã com o presidente”. Dominghetti respondeu: “Ele está aguardando a resposta do cerimonial com o presidente".

Diversas autoridades

Ao Correio, Cristiano Carvalho afirmou que nunca esteve com o presidente Jair Bolsonaro.
“Quem se mostrou solicito a me apresentar foi o presidente da Senah. Conforme reportagens já publicadas, inclusive onde o senhor Dominghetti faz uso do nome de diversas autoridades, acredito que a do senhor Jair Bolsonaro foi mais uma somente utilizada de muitas pelos representantes da Senah e Dominghetti”, disse.

Carvalho explicou que as negociações com o governo federal tiveram início em 22 de fevereiro, com articulação do reverendo. Cristiano Carvalho afirmou que no âmbito das negociações, Herman Cardenas enviava propostas junto com o reverendo e Dominghetti. “Eu atuava como um suporte local, só estive em Brasília uma única vez”, afirmou. Foi nessa ocasião que ele esteve com o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, em 12 de março. “Não o conhecia, nunca tinha falado com ele antes e nem depois. Tudo estava a cargo do reverendo e do Dominghetti. O Roberto Dias e o Blanco,eu falei por telefone, cada um uma vez”, disse.

O advogado do reverendo Amilton, Daniel Sampaio, afirmou que ele está de licença médica e que não irá se pronunciar enquanto não prestar depoimento à CPI. A sua oitiva estava marcada para esta quarta-feira, mas o reverendo enviou à comissão um atestado médico apontando problemas renais e afastamento do trabalho por 15 dias, em decorrência do quadro. A reportagem procurou o Palácio do Planalto e Dominghetti, mas não obteve retorno. A reportagem aguarda envio de nota da empresa Davati. O espaço segue aberto para manifestação.


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