ENTREVISTA CB.PODER

"Somos da sociedade, não de Poder algum", diz Cláudio Fonteles, ex-PGR

Titular da PGR entre 2003 e 2005 critica a paralisia de Augusto Aras e afirma que o Ministério Público Federal precisa mostrar independência institucional. Ele cobra também uma ação mais firme do Congresso

Carlos Alexandre de Souza
Vera Batista
postado em 11/08/2021 06:00
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Para o jurista Cláudio Fonteles, a crise política detonada por Jair Bolsonaro permite ver com clareza a postura dos Poderes. Procurador-geral da República entre 2003 e 2005, Fonteles é implacável com o atual ocupante do cargo, Augusto Aras. Afirma que o titular é “omisso” diante das atitudes do presidente da República, que ataca de forma sistemática integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na avaliação de Fonteles, é preciso, com urgência, tomar medidas judiciais para conter os ímpetos autoritários de Bolsonaro. Nesse sentido, ele aprova a reação das duas Cortes superiores, que passaram a conduzir inquéritos independemente da inação de Augusto Aras.

As críticas de Fonteles não se limitam ao Ministério Público Federal, onde serviu por 35 anos. Elas também se dirigem ao Legislativo, que tem dever constitucional relevante para preservar a democracia. Ele faz essa cobrança particularmente a Arthur Lira e Rodrigo Maia, que nada fizeram ante dezenas de pedidos de impeachment. “Se segmentos da cidadania apresentam pleitos de imensa gravidade, a postura que se requer de um presidente da Câmara é que se pronuncie fundamentadamente”, defende Fonteles. “Não pode dar um chá de gaveta nos desejos do povo”, afirmou.

Em entrevista ao CB.Poder, programa em parceria da TV Brasília e do Correio Braziliense, o ex-PGR repudiou o desfile de tanques, ontem, na Praça dos Três Poderes. “Não se pode envolver as Forças Armadas em questões político-partidárias”.

Qual o aspecto mais grave da crise política?
O aspecto mais grave da crise emana da Presidência da República. Não sinto no senhor presidente uma vocação democrática, e os atos aí estão a demonstrar. Vejamos o episódio desta terça-feira. Não seria muito melhor para o presidente se enaltecesse as Forças Armadas, instituições fundamentais para democracia – o Exército, a Marinha, a Aeronáutica – naquilo que concretizam? Bonito seria hoje que o presidente tivesse a homenagear militares de todas as patentes que se dedicam a produzir ciência, ou um trabalho comunitário entre civis e militares. E não a estimular a pregar a ruptura. Isso é lamentável. A democracia é um regime de respeito à divergência, mas em alto nível, com argumentos bem fundamentados.

Há um embate muito sério entre o presidente da República e o Judiciário. O STF deveria ter uma postura mais rígida?
O STF se mantém na sua linha correta. Como um presidente da República, se despindo da liturgia do cargo, vai usar palavras de baixo calão para se dirigir a um ministro ou a qualquer pessoa? Como vai incitar pessoas a que se mostrem nocivas à instituição STF? Aí, o que faz o STF? Abre procedimentos investigatórios. E aqui a gente entra em outro ponto: a figura do procurador-geral da República. Eu, que fui procurador durante 35 anos, membro do MPF, fui o líder durante um período. O MPF existe também para defender a ordem jurídica, o regime democrático e os direitos. Para isso, somos uma instituição da sociedade, não de Poder algum. Por isso a Constituição, no parágrafo 1º, nos dá independência institucional. O que significa ser independente? Agir. E lamentavelmente, nós temos um procurador-geral da República omisso.

O senhor é um dos signatário do manifesto que exige medidas mais enérgicas da PGR. Em quais crimes o procurador-geral está sendo omisso?
Um exemplo claríssimo ocorre em relação aos fatos graves que a CPI da Covid, no Senado, está a apurar. O que deveria fazer imediatamente o PGR ou seu vice-procurador-geral (Humberto Jacques de Medeiros), que é homem de sua estreita confiança? Quando provocado para abrir um procedimento a respeito da conduta do sr. presidente da República, não é para dizer ‘vamos esperar terminar o trabalho da CPI’. Essa postura foi muito bem combatida e censurada pela ministra Rosa Weber, que diz que o MP “não pode ser espectador”. Esse é um quadro concreto. Os fatos estão aí, imensos, a mostrar essa lamentável inação do PGR Augusto Aras.

Outra questão envolve o voto impresso, que motiva ataques do Executivo ao Supremo e faz parte da cobrança à PGR. A crise política não diz mais respeito somente à pandemia.
Eu assinei um manifesto com todos os procuradores gerais eleitorais, que são concomitante procuradores-gerais da República, condenando a atitude do sr. presidente da República em questionar a realidade da urna eletrônica. O Poder Judiciário já sacramentou em duas decisões a higidez do processo democrático correto da urna eletrônica. Ele disse que o voto impresso coíbe a fraude. Cadê a fraude? Cadê a prova? É isso que as pessoas têm que analisar. Não podem ser conduzidas como manada. Se eu falo uma coisa, eu tenho que provar. Senão, sou um irresponsável. O presidente Jair Bolsonaro não provou nada. Então, como se pode prestigiar a conduta do presidente que não provou nada? Não faz sentido apoio a esse tipo de conduta presidencial.

Qual punição pode ser aplicada para este caso?
O PGR pode examinar essa questão à luz da ótica criminal e tomar as providências devidas. Há também a ótica do crime de responsabilidade. Abrem-se duas vertentes. Veja agora, a hipótese do caso das fake news. O que faz o ministro Alexandre de Moraes? Dada a inação do PGR, o ministro abre uma investigação e a desenvolve com a Polícia Federal, de cunho criminal. Esta semana, o próprio TSE encaminhou, dado que o PGR não faz, para Moraes, o exame da conduta do presidente, à luz de infração eleitoral. Há todo um procedimento investigatório entre o Poder Judiciário e a Polícia Federal. O PGR tinha que ser protagonista. Pelo Artigo 129 da Constituição, o MP é a instituição da sociedade, não de governo, que tem privativamente, o direito de exercer a ação penal pública. Ou seja, acusar pessoas diante do Poder Judiciário por graves crimes perpetrados.

Por que a questão da lista tríplice é tão complicada?
Aqueles que a ela se opõem dizem que a lista tríplice é uma expressão do corporativismo. Vou contrargumentar. Não há essa ideia de corporativismo. O PGR é a pessoa com a missão de defender a democracia, mas também cuidar de todas as questões de interesse da federação brasileira, do país Brasil. Apreciamos questões de ordem técnica. E um dos princípios para defender a democracia é o da independência funcional. Para garantir isso, e o presidente, seja quem for ele, não venha a pinçar um nome, sem que a própria instituição participe do processo, é preciso evitar a escolha unipessoal. A escolha arbitrária leva a pessoa escolhida a vincular-se à gratidão e a comprometer a sua independência funcional. Temos que colocar a lista tríplice na Constituição. Eu fui o primeiro por esse processo, indicado pelo presidente Lula da Silva. Mas não devo a ele minha indicação. Devo à minha classe, que me honrou em primeiro lugar. O que não pode é alhear a classe. Hoje ela está alheia.

Temos um indicado para o Supremo, o ex-ministro André Mendonça. Mas até as emas do Alvorada sabiam que Augusto Aras poderia ser indicado para uma vaga.
É a hora de o Senado da República se apresentar. E fazer uma sabatina séria. Não é que não a faça, mas nesse momento histórico, mais ainda. Mais séria do que tem sido até. Pensem bem, senadores. Será o caso de reconduzir uma pessoa que os fatos demonstram, está claríssimo até, que é absolutamente omissa? Vamos beneplacitar este nome? E como agiremos diante da sociedade brasileira?

Em uma entrevista, no final do ano passado, o senhor já via indícios de crime de responsabilidade por parte do presidente da República. Nesta altura dos acontecimentos, justifica-se a abertura de um processo de impeachment?
Não tenho a menor dúvida. Tenho a lamentar a postura, tanto do passado, do presidente Rodrigo Maia, da Câmara dos Deputados, e agora do presidente Arthur Lira, em dar um chá de gaveta nos pleitos do povo. Os senhores deputados não podem esquecer de que são representantes do povo. Se segmentos da cidadania apresentam pleitos de imensa gravidade, a postura que se requer de um presidente da Câmara é que se pronuncie fundamentadamente. E, falando do passado, um presidente da República que discursa falando do fechamento do STF, vai a manifestações que defendem a volta do AI-5. A Constituição traça limites.

É urgente o Congresso ter um posicionamento mais firme?
Claro. Marcar posição, como eu estou marcando, é fundamental para o povo. Claro que em algum momento, tem que esperar. Mas, pelo amor de Deus, não dá para agir como se nada estivesse acontecendo, ficar empurrando eternamente com a barriga. A prudência não é sinônimo, e nunca poderá ser, de omissão.

 

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