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Roberto Jefferson saiu de pivô do mensalão à extrema direita

Do começo num programa popular da tevê à militância radical e defensora de um golpe contra as instituições da República, trajetória de Roberto Jefferson é um rosário de adesões sempre que o poder da vez dá a ele a possibilidade de se aproximar

Sarah Teófilo Renato Souza fabio grecchi
postado em 14/08/2021 06:00
 (crédito: Reprodução/rede sociais)
(crédito: Reprodução/rede sociais)

No começo do SBT, então TVS do Rio de Janeiro, um programa popular de segunda a sexta-feira trouxe o popularesco e as mazelas do cotidiano para a telinha. Era O Povo na TV, dirigido por Wilton Franco, que ancorava e fazia o fio condutor entre todos os quadros, até o encerramento, às 18h, com a Oração da Ave Maria. Uma das sessões da atração diária eram os aconselhamentos de um jovem advogado, que chamava a atenção por duas razões: a fala escorreita, de fácil entendimento por qualquer pessoa, e a obesidade. Rapidamente, o conselheiro de longos cabelos negros ficou maior do que a aparição de não mais do que 15 minutos.

Tomou o natural rumo da política, naquele começo dos anos 1980, ansioso por caras novas para além daquelas sobreviventes à ditadura. E com disposição para se envolver em polêmicas, tal como o programa, que em quatro anos de vida tornou-se ícone do mau gosto, a ponto de trocar de nome — passou a ser o Aqui Agora — para sobreviver à rejeição.

Roberto Jefferson, nesses últimos 40 anos, tem um histórico de polêmicas, sob os holofotes ou longe deles. Inicialmente um deputado federal de pouca relevância, foi no governo Fernando Collor, no início da década de 1990, que despontou para o cenário político nacional. O hoje presidente do PTB foi um dos principais defensores do ex-presidente, que sofreu impeachment acusado de encobrir um esquema de recebimento de propina — administrado pelo tesoureiro da campanha Paulo César Farias, encontrado morto anos depois, em Maceió.

Anos depois, Jefferson foi o responsável por detonar o escândalo do Mensalão, que por pouco não abreviou o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Acusou a existência de um esquema de compra de deputados chefiado pelo então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Na esteira, trouxe à tona uma articulação para financiamento de campanhas políticas que reproduzia, a nível nacional, algo que já existia em Minas Gerais e teria beneficiado o então governador Eduardo Azeredo.

Soldado bolsonarista

Por causa do Mensalão, Jefferson passou uma temporada preso, mas não conseguiu se afastar da política. No governo Michel Temer, conseguiu emplacar a filha, a ex-deputada Cristiane Brasil, ministra do Trabalho — que não assumiu porque veio à tona a condenação que sofreu por crime trabalhista contra dois motoristas, acabando por ficar impedida pela Justiça de ser nomeada.

Embora inimigo declarado do PT — Cristiane votou pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff tendo o pai sorridente ao seu lado —, Jefferson até então jamais assumira postura de extrema direita, nem endossara o discurso de vários bolsonaristas — de dentro e de fora do governo — de ataque às instituições da República e à Constituição, além de pregar golpe de Estado armado com fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso em favor de Jair Bolsonaro. Mas desde que o hoje presidente assumiu o poder, enxergou uma janela de oportunidade. E passou a defender o discurso do atual inquilino do Palácio da Alvorada.

Cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Geraldo Tadeu avalia que, hoje, Jefferson é mais bolsonarista do que o próprio Bolsonaro. “Ele exagera, faz exibições com armas, usando, inclusive, muita baixaria, insinuações homofóbicas sobre ministros do Supremo. Tudo na ânsia de ocupar algum espaço no governo”, observa.

Para Tadeu, o ex-deputado “exagerou” no engajamento. Para ele, Jefferson quer galvanizar o movimento pró-golpe nas ruas, que tem como chefe máximo o presidente, mas que pode abrigar outras chefias. E que poderia se potencializar com a presença de um político calejado.

“Esse engajamento não é sincero, porque não revela uma convicção que ele tenha revelado ao longo da vida pública dele. As convicções do Bolsonaro são sinceras, ele sempre agiu assim. O Roberto Jefferson tem uma personalidade que é adaptativa. Ele se adapta muto bem às conjunturas e, sobretudo, ao que diz respeito à ocupação do poder”.

Cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV), Sérgio Praça compartilha da mesma opinião. “Ele está apostando no sucesso bolsonarista por mais alguns anos, ainda que Bolsonaro perca as eleições. E acho que ele está certo. O bolsonarismo não depende do Bolsonaro no poder. É uma ideologia”, explica.

O cientista político Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice, também acredita que a radicalização do ex-deputado se deu para marcar uma posição. “O que a história tem mostrado é que ele é capaz de se adequar a uma nova gestão, seja qual for. Quando Bolsonaro é eleito, numa tentativa de se reaproximar do poder, de ficar perto do governo, Jefferson passou a defender a agenda do governo e do presidente. O PTB foi sempre um partido que esteve rondando o poder. Nunca se distanciou definitivamente”, frisou.

A trajetória de Roberto

 
As várias fases de Roberto Jefferson até chegar à extrema direita
As várias fases de Roberto Jefferson até chegar à extrema direita (foto: CB)

Reprodução/rede sociais

1 – Num dos mais recentes vídeos nas redes sociais, Jefferson posa com pistolas e propõe invasão armada ao STF e ao Congresso em favor de Bolsonaro; 2 – Nos tempos em que era destacado integrante da tropa de choque de Collor contra o impeachment; 3 – Na sessão da Câmara dos Deputados na qual teve o mandato cassado; 4 – Em depoimento na CPI do Mensalão, com o olho roxo que atribuiu a um armário que teria caído sobre ele, em casa; 5 – No primeiro mandato como deputado federal, ainda com o outfit que exibia no programa popular da tevê

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