INVESTIGAÇÃO

CPI da Covid tenta encontrar o lobista fujão

Depois de ter licença médica revogada, Marconny Farias, que seria peça-chave do contrato entre Precisa e Ministério da Saúde, não depõe e deixa senadores indignados

Cristiane Noberto
Tainá Andrade
postado em 03/09/2021 06:00
Aziz se aborrece ao ler laudo do Sírio sobre Tolentino, que deveria ir à CPI -  (crédito: Roque de Sá/Agência Senado)
Aziz se aborrece ao ler laudo do Sírio sobre Tolentino, que deveria ir à CPI - (crédito: Roque de Sá/Agência Senado)

O lobista Marconny Faria, apontado como peça-chave do contrato assinado entre a Precisa Medicamentos e o Ministério da Saúde, simplesmente fugiu do depoimento, ontem, na CPI da Covid, irritando os senadores que, agora, querem que ele compareça de qualquer jeito. O presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), e o vice, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), protocolaram pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo autorização para que Marconny seja trazido à força à comissão.

A ministra Cármen Lúcia, do STF, manteve a decisão que obrigou o lobista a prestar depoimento como testemunha e rejeitou um pedido da defesa para reconsiderar parecer dado na quarta-feira. Os advogados voltaram a argumentar que ele é investigado pelo Ministério Público Federal por fatos sob apuração na CPI e, portanto, deveria ser desobrigado a se apresentar diante dos senadores.

Cármen Lúcia, porém, disse que a defesa não trouxe argumentos ou fatos novos que justificassem a revisão da decisão. E observou, ainda, que a comissão de inquérito reafirmou, “expressa e sublinhadamente”, que o Marconny foi convocado na condição de testemunha. Dessa forma, ele precisa comparecer ao interrogatório e se comprometer a dizer a verdade, mas poderá se recusar a responder a perguntas que possam incriminá-lo.

A cúpula da CPI também pediu à Polícia Federal que retenha o passaporte do lobista. Há ainda, da parte dos senadores, a intenção de acionar a Interpol para que o detenha caso consiga fugir do país.

A situação de Marconny começou a se complicar quando o médico que havia concedido um atestado que permitia a ele se afastar do trabalho por 20 dias — algo que os senadores consideraram inédito, pois jamais tinham visto uma dispensa tão longa — comunicou à CPI que revogaria o documento que emitira. Mais: que retirava a autorização por desconfiar que Marconny fingira os sintomas que levaram à emissão do laudo.

Contatos

Mas não seria apenas por causa das conexões de Marconny com a Precisa a razão pelas quais os senadores queriam ouvi-lo. Depois da interrupção da sessão para que os ânimos acalmassem e houvesse um rearranjo no planejamento do dia, os senadores exibiram conteúdos de conversas do celular do lobista, apreendido na Operação Hospedeiro e repassado pelo Ministério Público Federal do Pará (MPF) à CPI. As mensagens revelaram que Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro e mãe de Jair Renan, o filho 04, contou com a ajuda de Marconny para nomeações em órgãos públicos, inclusive no Ministério da Saúde.

Pelos registros, Marconny mantinha contato direto com Jair Renan desde 2019. Primeiramente, os assuntos giravam em torno de amenidades, mas diálogos sobre possíveis negócios depois que Karina Kufa, a advogada do presidente, tê-los apresentado e à mãe do 04.

“Talvez seja de bom tom apresentar ao Brasil o conjunto de informações que detemos. Repito: o senhor Marconny não é o senhor de um lobby, é o senhor todo poderoso de todos os lobbys”, provocou Randolfe.

Outro que também não compareceu à CPI e entregou um atestado médico alegando “formigamento” foi Marcos Tolentino, apontado como sócio oculto da empresa FIB Bank, que emitiu uma carta-fiança à Precisa para que pudesse fechar negócio com o Ministério da Saúde. E, como Marconny, irritou os senadores.

Isso porque, apesar de ter dado entrada no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, na quarta-feira à tarde, poucas horas depois concedia uma entrevista para o site O Antagonista sem, aparentemente, manifestar qualquer desconforto ou o problema que alegou aos médicos que o atenderam — e cujo vídeo foi exibido na sessão da CPI.

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Senadores emparedam ex-secretário do DF

 (crédito: Pedro França/Agência Senado)
crédito: Pedro França/Agência Senado

Em depoimento à CPI da Covid, o ex-secretário de Saúde do Distrito Federal Francisco Araújo Filho negou conhecer o dono da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, ou qualquer representante da empresa. Ele também se defendeu das acusações de compras com sobrepreço de testes contra o novo coronavírus durante sua atuação na secretaria de saúde do DF. Mas isso não convenceu os senadores Leila Barros (Cidadania-DF), Izalci Lucas (PSDB-DF) e Reguffe (Podemos-DF), que perceberam várias inconsistências nas respostas que receberam.

Araújo foi preso em agosto de 2020 durante a Operação Falso Negativo, da Polícia Federal. A investigação abarcou ilicitudes na aquisição de testes rápidos para detecção da covid-19 para a rede pública de saúde. A compra teria o envolvimento da Precisa. “Não conheço os donos. Nunca tive relação ou contato com pessoas, donos ou empresários da empresa”, garantiu. Na época, a transação foi fechada com a Global Medicamentos, hoje a Precisa.

O ex-secretário contestou a avaliação do Tribunal de Contas da União (TCU) de que houve sobrepreço na obtenção de testes da marca Livzon, que a Precisa vendeu pelo preço unitário de R$ 139,90 — o GDF obteve 150 mil testes. De acordo com Izalci, a Produtos Médicos Hospitalares Ltda. ofereceu uma proposta de vender cada teste a R$ 73, mas, mesmo assim, foi desqualificada. Segundo Araújo, isso se deu porque a empresa não tinha condições de entregar a quantidade requerida pela secretaria no prazo estipulado, em função do avanço da pandemia no DF. Izalci, porém, rebateu e apontou para a baixa qualidade do material da Livzon, que apresentou aproximadamente 13% de falsos resultados negativos.

Com relação às acusações de superfaturamento de compras dos testes pelo valor de R$ 180, oferecido pela loja da Luna Park Brinquedos — o valor máximo observado até então era de R$ 110 —, Araújo disse que o preço do insumo disparou devido à indisponibilidade do produto nas outras empresas participantes do processo.

Reguffe apresentou informações de uma auditoria do TCU que aponta indícios de irregularidades na escolha da empresa de brinquedos para aquisição de testes. Araújo se defendeu afirmando que apesar de a razão social da empresa se referia a brinquedos também, tinha capacidade de vender testes. Indagado novamente se o ex-secretário via algo “errado” na secretaria, Araújo justificou que “no primeiro momento, da primeira onda (de covid-19), todos nós desconhecíamos totalmente aquele cenário e muitos insumos ficaram muito mais caros. Se houve algum erro, foi buscando o meu melhor”. (TA e CN com Agência Estado)

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