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Mercado de créditos de carbono: saiba quais são as propostas para o Brasil

As transações em créditos de carbono são tidas como alternativas econômicas para incentivar empresas e governos a reduzir as emissões de poluentes, mas ainda não foram regulamentadas no país

Marcus Benjamin Figueredo*
postado em 06/10/2021 15:39 / atualizado em 06/10/2021 15:44
 (crédito: Carl de Souza/AFP)
(crédito: Carl de Souza/AFP)

Diante do avanço acelerado da crise climática, comprovadamente provocada pela ação humana, economias pautadas pela baixa emissão de poluentes como o gás carbônico estão no centro do debate quando o assunto é a mitigação das ameaças futuras. Nesse contexto, o mercado de créditos de carbono é encarado como uma alternativa econômica viável para incentivar nações e empresas a reduzirem suas pegadas de carbono na atmosfera. Mas como esse mercado funciona? E como ele pode ser implementado no Brasil?

No processo de produção global, há empresas que emitem grandes quantidades de gases de efeito estufa (GEE) e existem companhias que, a partir de medidas de redução de emissões de carbono, como ações de reflorestamento e conservação de ecossistemas, por exemplo, emitem menos poluentes e podem chegar até mesmo a retirar gases da atmosfera. O comércio de créditos estabelece justamente a possibilidade da compra de excedentes daqueles países ou empresas que tenham implementado medidas de redução de carbono e que, portanto, têm créditos sobrando.

Um crédito de carbono é o equivalente a uma tonelada de gás carbono — ou à quantidade equivalente de GEE. Ou seja, se um país implementou mecanismos sustentáveis que evitaram a emissão de 1 milhão de toneladas de gás carbônico em determinado período de tempo, esse país agora tem 1 milhão de créditos de carbono que podem ser transformados em títulos e negociados com outras nações, empresas ou pessoas físicas. O mercado de créditos de carbono foi sugerido pelo Protocolo de Kyoto, em 1997, porque introduz um custo monetário para a prática de poluir o ar, e, em teoria, faz com que as emissões de GEE sejam encaradas como práticas pouco interessantes do ponto de vista dos negócios.

Os preços de cada crédito (ou tonelada) de carbono variam entre US$ 1 e US$ 137, e a estimativa é de que os valores se multipliquem de 10 a 15 vezes até 2030. De acordo com um relatório divulgado pela consultoria financeira Refinitiv, o mercado de créditos de carbono aumentou 20% em 2020 e chegou a movimentar US$ 227 bilhões. Já são 4 anos de aumentos recordes consecutivos.

 

O cenário no Brasil

No que diz respeito à crise climática, o principal desafio do país, e que está entre os principais motivos da corrosão da imagem do país perante investidores e outras nações, são os altos níveis de emissão de gases: 48% são causadas pelo desmatamento, 98% do qual é ilegal. Durante o governo Bolsonaro, as áreas desmatadas e a intensidade das queimadas alcançaram recordes históricos. De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a soma do acumulado de alertas de desmatamento nos anos de 2019, 2020 e 2021 é 70% mais alta do que os números dos três anos anteriores (2016, 2017 e 2018).

É nesse contexto que o projeto de regulamentação do mercado de créditos de carbono vem sendo discutido no Congresso. O PL 528/2021, proposto pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM), tem o apoio de empresários e investidores, bem como de parcela significativa do Congresso. Além disso, uma comitiva de governadores que se organiza para representar os interesses de estados brasileiros na COP-26 também está envolvida nas articulações pela aprovação do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no país. De acordo com eles, haveria um potencial bilionário a ser explorado pelo Brasil na economia sustentável e nas transações de créditos de carbono.

De acordo com o deputado Marcelo Ramos, o Brasil possui uma "capacidade natural" para o desenvolvimento do mercado de créditos de carbono.

Leia na íntegra a entrevista concedida pelo congressista ao Correio.

Quais podem ser as vantagens de um mercado de carbono regulamentado no país?

Brasil e a Amazônia possuem o maior ativo ambiental do mundo — a floresta em pé, mas os recebimentos por créditos de carbono estão muito aquém do nosso potencial. Os Mercados de Carbono no redor do mundo, somente em 2019, movimentaram USD$ 49 bilhões. Para incluir melhor aproveitamento do potencial do nosso país neste segmento, e para que nosso setor produtivo passe a ter maior competitividade nos mercados internacionais, apresentei o projeto de lei que prevê a Regulação do Mercado de Carbono no Brasil. Nossa ideia é levar o PL 528/21 à COP-26, na Escócia, já aprovada e sancionada como Lei, e dessa forma, mostrar ao mundo como o Brasil está se adiantando na valorização da floresta em pé como uma ação fundamental para minimizar os efeitos climáticos no mundo. Com os serviços ambientais prestados pelas nossas florestas monetizados, confrontamos a tese de que somente a floresta derrubada pode gerar riquezas e damos um passo importante para reduzir a pobreza das populações tradicionais.


Existem obstáculos políticos à implementação dessas medidas regulatórias?

Do ponto de vista dos atores importantes, que já declararam adesão e apoio do meu projeto de lei, já tive conversas com representantes dos setores produtivos, do terceiro setor e com embaixadores de diversos países, entre eles o do Reino Unido, Peter Wilson, além do negociador-chefe da COP-26 daquele país, Archie Young, anfitriões da Conferência. Estamos, ainda, conversando com setores importantes, como a indústria, via CNI, e até com a Frente Parlamentar da Agricultura. E, claro, tivemos as contribuições de vários especialistas e lideranças políticas, como os governadores. Todos reafirmam a importância da aprovação do PL antes da COP, como forma de dar um sinal ao mercado internacional de que o Brasil está atuando de forma concreta para cumprir os compromissos firmados pelo o presidente Jair Bolsonaro, de carbono zero em 2050, no encontro de cúpula do presidente norte-americano, Joe Biden. Portanto, diante desse quadro, acho pouco provável que o governo federal seja um obstáculo à lei. Tanto que a presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, deputada Carla Zambelli (PSL-SP), da base governista, avocou para si a relatoria do PL e me parece empenhada em contribuir com a sua aprovação.

As políticas do governo federal em relação ao meio ambiente têm manchado a imagem do país nos debates internacionais. Em que medida isso pode impactar na implementação de um mercado de carbono brasileiro? O país deixaria de ter as vantagens de crédito já conquistadas? Perderia vantagem nas negociações?

É fato que o Brasil não desfruta, hoje, de uma boa imagem no que se refere à política ambiental, por isso, mais uma razão para o país fazer um movimento que reverta isso. Justamente por essa razão, o meu projeto de lei tem angariado tantos apoios e adesões. São pessoas e segmentos produtivos que entendem o quanto o Brasil e os produtos brasileiros podem perder competitividade no mercado internacional se o país seguir nesse posicionamento, e quanto podemos ganhar passando a protagonizar ações concretas de redução do desmatamento das nossas florestas, contribuindo, decisivamente, para mitigação dos efeitos da crise climática no planeta. Hoje, o Brasil já conta com um mercado voluntário de carbono, que ainda é residual, como ocorre em outros países, onde o mercado regulamentado representa algo em torno de 70% dos investimentos. Com a regulamentação, damos segurança jurídica a empresas e países que não conseguem compensar suas emissões internamente. Afinal, está na Amazônia brasileira o maior naco de floresta úmida, primária e contínua do planeta, condições em que o sequestro de carbono é mais efetivo. Só vejo ganhos ao país se o PL 528 virar lei.


Como está a tramitação do projeto na Casa? O processo pode avançar ainda antes da COP-26?

O texto já foi aprovado na Comissão de Indústria e Comércio e tramita na Comissão de Meio Ambiente, que já realizou duas audiências públicas com os segmentos envolvidos. Já tive uma conversa com o presidente da Câmara, Arthur Lira, que tem a compreensão sobre a importância de levarmos à COP ações e sinalizações mais concretas, e ele se mostrou favorável à análise do projeto antes da Conferência do Clima. Por se tratar de uma proposição de natureza conclusiva, que não precisa passar pelo plenário, estou bastante otimista quanto à sua tramitação.

* Estagiário sob supervisão de Roberto Fonseca

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