CNMP

Lira: PEC que muda composição do CNMP é o "fim da impunidade"

Presidente da Câmara defende a controversa proposta de mudanças no Conselho do Ministério Público e diz que órgão não pune improbidade de membros. Promotores e procuradores fazem protestos pelo país em repúdio ao texto

Jorge Vasconcellos
postado em 14/10/2021 06:00
Arthur Lira:
Arthur Lira: "É importante um conselho forte, com presença, para que tenhamos transparência" - (crédito: Michel Jesus)

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/21, que muda a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), se aprovada, pode representar “o fim da impunidade em um órgão muito forte”. Alvo de protestos de promotores e procuradores, o texto, entre outras mudanças, amplia de 14 para 15 o número de integrantes do colegiado, e aumenta de duas para quatro as indicações que a Câmara e o Senado podem fazer para o órgão. O Ministério Público perde uma.

Havia a expectativa de que o texto fosse votado no plenário ontem, o que não se confirmou, em razão da falta de consenso entre os deputados. A análise da matéria já havia sido adiada na semana passada. Como se trata de uma PEC, precisa ser discutida e votada em dois turnos em cada Casa do Congresso e será aprovada se obtiver, na Câmara e no Senado, três quintos dos votos dos deputados (308) e dos senadores (49).

A proposta foi apresentada pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Uma comissão especial da Câmara aprovou, na semana passada, parecer favorável do relator, Paulo Magalhães (PSD-BA), que ampliou as mudanças na composição e no funcionamento do CNMP, órgão responsável por fiscalizar a conduta de promotores e procuradores.

Lira saiu em defesa da PEC ontem, mesmo dia em que promotores e procuradores iniciaram, em 18 estados, uma série de atos de repúdio à proposta. A categoria considera que o texto enfraquece o MP e fere a independência funcional de seus membros, com sérios prejuízos às investigações.
Entre outros pontos controversos, a PEC dá ao Congresso o poder de escolher o vice-presidente do CNMP, que passaria a acumular a função de corregedor nacional do MP — autoridade responsável pela condução de processos disciplinares contra promotores e procuradores. Atualmente, o vice-presidente do CNMP é o vice-procurador-geral da República, e o corregedor é eleito pelos conselheiros.

A PEC também dá ao conselho o poder de rever e mudar decisões de integrantes do MP, inclusive em investigações. Conforme o texto, isso ocorrerá quando for comprovada a utilização do cargo para fins de interferência na ordem pública e política, na organização interna e na independência das instituições e dos órgãos constitucionais. Para promotores e procuradores, o dispositivo representa uma interferência na atuação dos integrantes do MP.

Para Lira, há muitas versões sobre a PEC criadas por integrantes do Ministério Público. O deputado disse que um dos objetivos da proposta é fazer com que a sociedade civil consiga maior participação no CNMP, pois, segundo ele, o órgão não tem funcionado para punir seus membros.

“São questões que serão decididas com transparência, mas pode ser a PEC do fim da impunidade de um órgão muito forte. Hoje, nenhum membro do MP responde contra improbidade. É importante um conselho forte, com presença, para que tenhamos transparência”, disse Lira à Rádio CNN.

Rejeição

Além de protestos, promotores e procuradores têm recorrido a deputados na tentativa de convencê-los a não aprovar as mudanças. Também discutem a possibilidade de judicialização no STF, para reverter eventual desequilíbrio no CNMP pela maior interferência do Congresso. Um dos argumentos é o da paridade entre o CNMP e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ambos criados em 2004 pela mesma legislação.

Em outra frente de pressão, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), a Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT) e a Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM) emitiram nota conjunta para “manifestar a irresignação com os pontos que consideram mais graves, seja pela indesejável interferência nas atividades finalísticas, seja pela afronta à autonomia institucional e à independência funcional de seus integrantes”.

Além disso, quase 3 mil integrantes do MP assinaram uma nota em que pedem a rejeição integral da PEC. O documento não está vinculado a nenhuma entidade de classe e partiu de promotores de São Paulo. No texto, eles afirmam que a proposta altera a espinha dorsal do modelo constitucional do MP, sem os quais a instituição não pode atuar como defensora do Estado constitucional de direito.
Também por nota, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) manifestou “profunda preocupação” com a PEC. A instituição destacou que “ataques ou tentativas de controle indevidas” no Ministério Público “devem ser repelidas de imediato e com veemência pela sociedade”.

Principais mudanças

A proposta atinge tanto a composição do colegiado quanto a própria função do órgão

» Aumento de assentos no colegiado reservados a indicações alternadas da Câmara e do Senado, que passam de dois para quatro, ampliando a influência externa no Ministério Público.

» Membro indicado pelo Congresso passa a ser, também, o vice-presidente
do CNMP.

» CNMP ganha poder de rever atos privativos de membros da instituição, podendo, inclusive, anular portarias para instauração de investigações.

» Congelamento de prazos prescricionais de infrações até a decisão final sobre a conduta do procurador ou promotor.

» Corregedor Nacional não precisará mais ser eleito entre os membros do Ministério Público.

» CNMP deverá criar um Código Nacional de Ética e Disciplina para guiar a conduta de membros da instituição no prazo de 120 dias após aprovação da reforma.

» Conselhos Superiores dos Ministérios Públicos estaduais, que hoje são eleitos pela classe, passam a ser compostos por integrantes indicados diretamente pelo procurador-geral de Justiça do Estado.

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Cobrança a Aras

A PEC 05/2021 vem movimentando os bastidores dos ministérios públicos. Além das notas assinadas por diversas entidades, contra a proposta, há um desconforto entre os procuradores por conta da ação tímida por parte do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Recentemente, Aras se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para tratar do tema. Além disso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) publicou em seu site oficial uma nota em defesa do “aprofundamento” do debate.

Promotores e procuradores, no entanto, querem que Aras tenha um posicionamento claro no sentido de resguardar a independência do Ministério Público, como enfatizou Mario Bonsaglia, subprocurador-geral da República. “A palavra do PGR costuma ser ouvida com muita atenção no âmbito externo ao ministério e ao Congresso Nacional”, destacou.

Ele frisou que o Ministério Público é um órgão à parte dos Três Poderes e deve manter essa autonomia. “A PEC tenta atrair o MP para o lado do Legislativo, à medida que pretende que o vice-presidente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e o corregedor passem a ser designados diretamente pelo Congresso”, afirmou. “Mas no âmbito do Ministério Público, o procurador ou promotor tem independência funcional, deve agir de acordo com sua convicção jurídica. Há controle, mas não controle do CNMP, que é basicamente órgão de controle administrativo e disciplinar.”

Bonsaglia ressaltou que “não cabe ao Parlamento dizer que o Ministério Público deve agir assim ou assado”. “A PEC permite que um procurador instaure um procedimento criminal, e o CNMP pode cassar. Quando o Ministério Público oferece uma denúncia, ela precisa ser recebida por um juiz, e o que essa PEC quer fazer é dar ao CNMP uma competência judicial”, reprovou.

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