CONCLUSÃO DA CPI

Crimes citados no relatório da CPI poderiam levar Bolsonaro à prisão por 78 anos

Relatório da comissão pede o indiciamento do presidente da República por série de supostos delitos. Parecer relaciona, também, mais 67 nomes, entre os quais, filhos do chefe do Executivo, ministros, ex-ministros e parlamentares. Votação do documento será na terça-feira

Jorge Vasconcellos
Raphael Felice
postado em 21/10/2021 06:00 / atualizado em 22/10/2021 16:03
O senador Renan Calheiros leu um resumo do relatório na sessão de ontem: investigação da comissão durou quase seis meses -  (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
O senador Renan Calheiros leu um resumo do relatório na sessão de ontem: investigação da comissão durou quase seis meses - (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

O presidente Jair Bolsonaro é um dos 68 nomes listados no relatório final da CPI da Covid com pedido de indiciamento por supostos crimes cometidos na condução da pandemia — que já vitimou 604.228 pessoas. O documento foi lido, ontem, pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), após quase seis meses de investigação sobre ações e omissões do governo na crise sanitária. A maioria do colegiado imputou ao chefe do Executivo nove delitos, cujas penas somam 78 anos de prisão, segundo estimam parlamentares ligados à apuração. O relatório será votado na próxima terça-feira.

Calheiros identificou 29 tipos penais e propôs o indiciamento de 66 pessoas físicas e duas jurídicas — as empresas Precisa Medicamentos e a VTCLog, acusadas de irregularidades em contratos com o Ministério da Saúde para, respectivamente, a compra de vacinas e a logística da distribuição de imunizantes. A lista inclui, também, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga, além de deputados, médicos e empresários.

No caso de Bolsonaro, o relatório o acusa de ter cometido os delitos de prevaricação, charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preventivas; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo); crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos).

Na leitura do relatório — um resumo das 1,2 mil páginas do parecer —, Calheiros afirmou que “esta comissão colheu elementos de prova que demonstraram, sobejamente, que o governo federal foi omisso e optou por agir de forma não técnica e desidiosa no enfrentamento da pandemia, expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa”.

O parlamentar acrescentou que “comprovaram-se a existência de um gabinete paralelo, a intenção de imunizar a população por meio da contaminação natural, a priorização de um tratamento precoce sem amparo científico, o desestímulo ao uso de medidas não farmacológicas”. Segundo ele, “houve deliberado atraso na aquisição de imunizantes, em evidente descaso com a vida das pessoas”.

 

Alterações

Na véspera da leitura do relatório final, o grupo majoritário da CPI, formado por senadores independentes e de oposição, decidiu retirar do texto os pontos em que o presidente da República era acusado de crimes de homicídio qualificado por motivo torpe e genocídio contra povos indígenas. Parte deles conseguiu convencer Calheiros de que não havia embasamento técnico-jurídico para manter esses dois delitos no parecer. O temor era que isso servisse de justificativa para o procurador-geral da República, Augusto Aras, engavetar o documento.

Titular da CPI, Humberto Costa (PT-PE) negou, em coletiva de imprensa, que a comissão tenha feito qualquer tipo de concessão ao chefe do Executivo. “Bolsonaro é criminoso, Bolsonaro é genocida, mas, no que diz respeito ao tratamento à pandemia da covid-19, nós não tínhamos condições técnicas de fazer esse enquadramento, por isso nós estamos colocando que ele cometeu crimes contra a humanidade, que são de extrema gravidade”, enfatizou.

Sobre a retirada do trecho que acusava Bolsonaro do crime de homicídio qualificado por motivo torpe, Costa explicou que a comissão teve como principal dificuldade identificar a conduta do chefe do governo relacionada a cada uma das vítimas da covid-19. “Por isso, nós colocamos o tipo penal que, inclusive, tem pena maior do que o próprio homicídio doloso, que é epidemia com resultado de morte”, frisou.

A CPI também pediu o indiciamento dos três filhos políticos do presidente da República: o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), acusados de incitação ao crime.


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Outros listados

MINISTROS E EX-MINISTROS

Eduardo Pazuello, ex-titular da Saúde
» Epidemia com resultado em morte, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime, crimes contra a humanidade

Marcelo Queiroga, ministro da Saúde
» Epidemia com resultado de morte e prevaricação

Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência
» Incitação ao crime e crimes contra a humanidade

Walter Braga Netto, ministro da Defesa e ex-ministro chefe da Casa Civil
» Epidemia com resultado de morte

Wagner Rosário, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União
» Prevaricação

Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores
» Epidemia e incitação ao crime

Fábio Wajngarten, da Secretaria Especial de Comunicação Social
» Prevaricação e advocacia administrativa

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Elcio Franco Filho, ex-secretário-executivo, e Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (ambos por prevaricação); Roberto Dias, ex-diretor de Logística (corrupção passiva, organização criminosa e improbidade administrativa); Marcelo Blanco, ex-assessor do Departamento de Logística (corrupção ativa); e Airton Soligo, ex-assessor especial do Ministério (usurpação de função pública)

PARLAMENTARES
O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), os deputados Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Carlos Jordy (PSL-RJ), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Ricardo Barros (PP-PR) e Osmar Terra (MDB-RS); e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) por incitação ao crime. Barros é acusado, ainda, de prevaricação, organização criminosa e improbidade

GABINETE PARALELO
Nise Yamaguchi e Luciano Azevedo (médicos), Carlos Wizard (empresário) e Paolo Zanotto (biólogo), Mauro Ribeiro (presidente do Conselho Federal de Medicina), por epidemia com resultado morte

CASO DAVATI
Cristiano Carvalho, Luiz Dominguetti, Rafael Alves e José Odilon Torres Jr., por corrupção ativa

CASO COVAXIN
Francisco Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos (falsidade ideológica, uso de documento falso e fraude em contrato); Danilo Trento, diretor de relações institucionais (fraude em contrato); Emanuela Batista de Souza Medrades, diretora-executiva e responsável técnica farmacêutica da empresa, e Túlio Silveira, consultor jurídico (ambos por falsidade ideológica, uso de documento falso e fraude processual). Da VTCLog, os sócios Raimundo Nonato Brasil (corrupção ativa), Carlos Alberto de Sá e Teresa Reis de Sá; e a diretora-executiva Andreia Lima (corrupção ativa e improbidade administrativa)

Prevent Senior
Donos da Prevent Senior, Fernando Parrillo e Eduardo Parrillo, e o diretor-executivo, Pedro Batista Jr., por perigo para a vida ou saúde de outrem, omissão de notificação de doença, falsidade ideológica e crime contra a humanidade), além de médicos

Fonte: com Agência Senado

Em busca de condenações

O vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que pretende entregar o relatório final ao procurador-geral da República, Augusto Aras, no próximo dia 27, um dia após a votação do documento pelo colegiado. Segundo ele, a comissão solicitou audiência com o chefe do Ministério Público, mas ainda não recebeu resposta.

Cabe à Procuradoria-Geral da República conduzir investigações contra acusados com foro privilegiado, como é o caso do presidente Jair Bolsonaro, de ministros e de parlamentares. Demais relacionados pela CPI, como médicos e empresários, serão encaminhados à Justiça comum.

Randolfe Rodrigues afirmou que, também no dia 27, a CPI pretende entregar cópia do relatório final ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para apuração de crime de responsabilidade por parte de Bolsonaro.

Conforme Rodrigues, também na próxima semana, o parecer deve ser encaminhado ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, com a acusação de que Bolsonaro cometeu crimes contra a humanidade.

Coordenador do Grupo Prerrogativas e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior disse que está satisfeito pelo relatório ter acatado parecer entregue pelos advogados à CPI. “A conclusão importante será a discussão no plano político, com as provas existentes”, afirmou.

O advogado criminalista Thiago Turbay afirma que o documento mostrou uma falha do Estado. “Demonstrou-se a desídia da vida, o descompromisso da Presidência com postulados da ciência e de evidências científicas e o amadorismo na gestão de uma crise humanitária. A CPI revelou o despreparo de agentes públicos os quais havia uma expectativa legítima de ação eficiente. Os delitos, pela sua parte, aguardam punição, o que só poderá ocorrer após o devido contraditório e ampla defesa”, diz.

Nauê Bernardo de Azevedo, advogado constitucionalista, enfatizou a gravidade dos pedidos de indiciamento. “O tipo penal de crimes contra a humanidade é do direito internacional, que denota algum tipo de prática sistemática ou generalizada que visa exterminar a população ou uma parte dela”, destacou. Na avaliação do especialista, é preciso ter ponderação e uma série de elementos para provar a conduta dolosa dos envolvidos. “Quando o relatório inclui esse tipo penal, é preciso que haja uma construção muito bem-feita”, sustentou.

(Luana Patriolino, Raphael Felice, Jorge Vasconcellos e Tainá Andrade).


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