Nova semana de queda de braços entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) teremos pela frente. Na aprovação da PEC dos Precatórios, a maioria do Senado manteve o sigilo sobre as emendas já executadas e adotou uma espécie de "me engana que eu gosto" em relação às que ainda não foram liberadas, ao propor que prefeituras, governos estaduais, órgãos federais e instituições da sociedade encaminhem "diretamente" ao relator os seus pedidos de emendas. A malandragem permite que os "padrinhos" desses pedidos não apareçam, ou seja os parlamentares, seus verdadeiros autores.
É como dizia, ironicamente, o cronista carioca Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, "ou restaura-se a moralidade ou nos locupletemos todos". A proposta aprovada no Congresso adotou a segunda opção, que ainda vai dar muito pano para as mangas dos que estão distribuindo verbas do Orçamento com mãos de gato. O Supremo, ao endossar a decisão da ministra Rosa Weber, mandando sustar a execução das emendas, foi muito claro: orçamento secreto é inconstitucional. Tudo o que ocorreu precisa ter transparência, inclusive os nomes dos autores das emendas.
A forma desesperada como se tenta esconder seus autores só aumenta as suspeitas de "intermediação onerosa", superfaturamento e desvios de recursos públicos. Haveria até mercado de emendas. Sobrou para o relator-geral do Orçamento da União de 2021, senador Marcio Bittar (MDB-AC), operador das emendas secretas. O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), segundo a Advocacia do Senado informou ao Supremo, pediu a Bittar (PSL-AC) que adote todas as "providências possíveis e necessárias para o cumprimento das citadas deliberações do Congresso Nacional e da mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal".
No documento encaminhado ao STF, os advogados do Senado fazem questão de ressaltar que não havia obrigação para que esses dados — o autor da emenda, o valor pedido, o valor liberado e a destinação, por exemplo — estivessem cadastrados em algum sistema do Congresso. Somente os tolos podem imaginar que alguma emenda parlamentar ao Orçamento da União seja aprovada e liberada sem que se saiba e se registre o autor. Até os brincantes do calçadão da Gameleira, em Rio Branco (AC), sabem que o senador Bittar não dá ponto sem nó.
Além disso, o toma lá dá cá como instrumento de fidelidade na base governista impede que esse tipo de informação não seja do conhecimento de alguns mandachuvas do Centrão: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); a deputada Flávia Arruda (PL-DF), ministra-chefe da Secretaria de Governo; e o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil.
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Patrimonialismo
Tradicionalmente, a liberação de recursos para parlamentares consta também de planilhas das assessorias parlamentares da Presidência e dos principais ministérios, às quais os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), e na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), têm acesso, porque são o estuário das reclamações de insatisfeitos e responsáveis pela mobilização governista durante as votações do Congresso. Sob risco de se enrolar nesta história, será preciso muito óleo de peroba para Bittar não informar os nomes dos autores das emendas, já que Pacheco disponibilizou toda e estrutura e os servidores para levantar essas informações, "no prazo de 180 dias".
O Brasil nunca se livrou do patrimonialismo, fenômeno estudado por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Florestan Fernandes e Victor Nunes Leal, entre outros. Inspirados em Max Weber, autor do conceito, eles estudaram os mecanismos da formação e manutenção do poder das oligarquias, tanto na política quanto nas relações econômicas. O patrimonialismo surge quando não existe distinção entre o público e o privado, e as duas coisas se misturam.
É o que está acontecendo descaradamente com o Orçamento da União, desde que Arthur Lira (PP-AL) conseguiu articular a aprovação do orçamento secreto. Na acepção mais restrita do conceito, o patrimonialismo existe quando um líder político instrumentaliza o poder e cria mecanismos de controle de estruturas e agencias de Estado para obter privilégios e vantagens pessoais. É uma herança das monarquias absolutistas, que impede que a máquina pública, a partir da racionalidade impessoal, tenha mais eficiência. O patrimonialismo está entranhado na política brasileira desde o Império.
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