O ano político caminha para o fim, não sem dissabores para a democracia brasileira. É possível registrar aspectos positivos ao longo desse período conturbado, como a adesão em massa dos brasileiros à campanha de vacinação contra a covid-19. No país onde a pandemia, desde a chegada nestas terras em fevereiro de 2020, é objeto de sórdida politização, imunizar-se corresponde, acima de tudo, a um ato político. Trata-se de um voto em favor da ciência, em defesa da racionalidade, um importante reconhecimento à extraordinária capacidade do sistema público de saúde de proteger milhões de pessoas em pouco tempo. Trata-se de uma façanha que outros países, muito mais avançados do que o Brasil em outras questões, enfrentam dificuldade em realizar.
Há quem diga que outro episódio marcante de 2021 — a CPI da Covid no Senado Federal — contribuiu para o brasileiro se dirigir ao posto de saúde. O empenho de parlamentares em sistematizar, em um relatório para exame público, as barbaridades cometidas pelo governo federal no enfrentamento da pandemia, serviu para incutir no consciente coletivo brasileiro que algo muito grave aconteceu nos últimos dois anos. Se for possível vislumbrar algum outro ponto positivo em relação à pandemia no Brasil, é a esperança de que o relatório produzido pelos integrantes da CPI produza resultados concretos no âmbito da Justiça. Porque não é possível atribuir 600 mil mortes em menos de 24 meses a uma obra infeliz do acaso, uma fatalidade brasileira. Há responsáveis por tanto sofrimento, por tanto choro, por tanto luto.
Se o Congresso Nacional agiu com altivez institucional em relação à covid-19, tema extremamente sensível para a sociedade brasileira, não se pode dizer o mesmo quanto a temas de particular interesse aos integrantes do legislativo. Para ficar em apenas dois exemplos, convém citar a articulação que enterrou a PEC da Improbidade Administrativa. De tão modificada em seu propósito de moralizar a gestão pública, a matéria transfigurou-se completamente. Determinou, por exemplo, punição por improbidade nos casos de "dolo" comprovado. Ou seja, um corrupto só é preso se produzir provas incontestáveis de suas intenções. Quem conhece a crônica brasileira sabe que essa condição equivale a encontrar uma alcateia de onças pintadas no gramado da Esplanada em pleno meio-dia. Outra nota negativa em relação aos congressistas, sempre atentos aos próprios interesses, foi a esperada e escandalosa aprovação de um Fundo Eleitoral de R$ 5,7 bilhões. Como custa caro a democracia no Brasil, particularmente quando se leva em conta o que os escolhidos pelo voto popular têm feito em favor dos eleitores.
Coube ao Supremo Tribunal Federal, neste encerramento do ano político, dar uma nota de esperança. O presidente da Corte, ministro Luiz Fux, reafirmou o compromisso de defender a Carta Maior e manter-se vigilante em favor da democracia. A mensagem é claramente voltada para 2022. Não é a primeira vez — tampouco será a última — que integrantes da mais alta Corte de Justiça deixam claro que não permitirão arroubos autoritários, desinformação em massa e desvirtuamentos de princípios constitucionais, como a liberdade de pensamento.
A preocupação em relação aos valores democráticos se justifica, em razão de episódios, infelizmente por demais frequentes, de ataques a membros de instituições da República. Cite-se, como exemplo, os termos ríspidos dirigidos pela facção bolsonarista contra Alexandre de Moraes e Edson Fachin. As intimidações e ameaças, veladas ou explícitas, se estendem a todos que se põem no caminho da lógica bolsonarista. "Não é tempo de violência nem de sentimentos menores", rebateu o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, em resposta aos ataques dirigidos pelo chefe do Planalto contra integrantes da agência que autorizaram a vacinação de crianças contra a covid-19. Espera-se que o desejo de Torres se concretize, e não apenas para este ano que termina.
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