O encontro de ontem do presidente Jair Bolsonaro (PL) com embaixadores de vários países para denunciar suspeitas não comprovadas sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seus ministros e a segurança das urnas eletrônicas foi um tiro no pé. Para a maioria dos diplomatas, seu discurso é de candidato derrotado por antecipação e sinaliza a intenção de realmente não aceitar o resultado das urnas. Obviamente, sua escalada contra as urnas eletrônicas é uma campanha de anticandidato, passa para o mundo — e internamente - a ideia de que pretende se manter no poder pela força.
Existe uma correlação entre a política nacional e nossas relações internacionais. Apesar da excelência e dos esforços dos nossos diplomatas de carreira, toda vez que Bolsonaro faz política internacional própria é um desastre. É o que está acontecendo, por exemplo, no caso da guerra da Ucrânia. No mesmo dia em que promoveu o desastrado encontro com os embaixadores, conversou por telefone com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky: "Discutimos a importância de retomar as exportações de grãos para prevenir uma crise de alimentos provocada pela Rússia", escreveu Zelensky em seu Twitter. "Convoco todos os parceiros a se unirem às sanções contra o agressor."
Para bom entendedor, a conversa de Bolsonaro com Zelensky não foi nada boa. Ao divulgar seu pedido de adesão do Brasil às sanções contra a Rússia, o presidente ucraniano criou um constrangimento para o Brasil, que assumiu uma posição de neutralidade, na tradição da política de Estado do Itamaraty. Porém, pessoalmente, Bolsonaro cada vez se aproxima mais do presidente russo Vladimir Putin. Por óbvio, esse posicionamento tem muito mais peso nas relações com os países ocidentais do que as suspeitas que levantou sobre a segurança das eleições.
Bolsonaro utilizou as dependências do Palácio da Alvorada e a estrutura de governo para uma série de acusações sem provas contra a Justiça Eleitoral e os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Também atacou seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva (PT), cujo prestígio internacional só aumenta na medida em que mantém o favoritismo nas pesquisas e as eleições se aproximam. Atacou o petista, porém acabou criticado por dois adversários que sonham tomar seu lugar contra ele, Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). Ou seja, Bolsonaro está se colocando como alvo fixo de todos os principais concorrentes.
Os ministros Carlos França (Relações Exteriores), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Ciro Nogueira (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que formam o estado-maior da Presidência, participaram da reunião, que Fachin classificou como um encontro de pré-candidato a presidente da República, ao declinar do convite, com o argumento de que deveria ter uma posição imparcial como responsável pela condução do processo eleitoral. Na Ordem dos Advogados do Paraná (OAB-PR), à tarde, Fachin classificou a apresentação como uma "encenação". Sem citar Bolsonaro, disse que há "inaceitável negacionismo eleitoral por parte de uma personalidade pública" e uma "muito grave" agressão à democracia.
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Discurso de perdedor
E o anticandidato? É um sinal trocado. Bolsonaro está agindo como perdedor antecipado das eleições, como quem não pretende aceitar o resultado das urnas e quer virar a mesa, como tentou sem sucesso o ex-presidente norte-americano Donald Trump, seu aliado. Está fazendo uma campanha de anticandidato, que deixa em desespero os aliados do Centrão. O ministro Paulo Sérgio Nogueira reverbera as acusações de Bolsonaro e arrasta as Forças Armadas para uma posição que evoca o passado do regime militar. Somente após as eleições saberemos se age por disciplina, pois Bolsonaro é presidente da República e comandante supremo das Forças Armadas, ou por convicção golpista e autoritária.
A propósito do passado autoritário, o mais ousado desafio ao regime militar, no auge do seu poder, foi o lançamento da "anticandidatura" de Ulysses Guimarães à Presidência da República, pelo MDB, em setembro de 1973, no colégio eleitoral que elegeria o general Ernesto Geisel à Presidência. Como um Dom Quixote, percorreu o país desafiando os militares, ao lado do ex-governador de Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho, que depois viria a ser presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
"Não é o candidato que vai percorrer o país. É o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo. Possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina, torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdece a nação pela censura à imprensa, ao rádio, à televisão, ao teatro e ao cinema", discursou Ulysses, cuja plataforma era centrada na revogação do Ato Institucional 5 (AI-5), na anistia e na convocação de uma Assembleia Constituinte.
Quanta ironia. Bolsonaro faz campanha em busca do passado.
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