TRÊS PODERES

Executivo, Legislativo e Judiciário se aproximam de uma relação harmônica

Os atos criminosos de bolsonaristas no dia 8, contudo, ganharam projeções diferentes, adiantando entre Executivo, Legislativo e Judiciário uma relação harmônica

Kelly Hekally Especial para o Correio
postado em 23/01/2023 06:01
Especialistas avaliam que os atos terroristas de duas semanas estreitaram as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário -  (crédito:  AFP)
Especialistas avaliam que os atos terroristas de duas semanas estreitaram as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário - (crédito: AFP)

O terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entra na quarta semana com uma situação atípica no país desde a redemocratização: a tentativa de instalação de um golpe de Estado ou de, pelo menos, um caminho aberto para a derrubada do regime republicano. Os atos criminosos de bolsonaristas no dia 8, contudo, ganharam projeções diferentes, adiantando entre Executivo, Legislativo e Judiciário uma relação harmônica que precisaria ser trilhada a partir da interação cotidiana entre os Poderes para que se reestabelecesse no Brasil a plenitude do Estado Democrático de Direito.

Previsto constitucionalmente, o modelo de freios e contrapesos vem, há cerca de uma década, estremecido, após termos como politização do Judiciário diante de atos no mensalão e na Lava-Jato ficarem em voga. A cena de Lula caminhando de braços dados com Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), do Palácio do Planalto à Corte, junto a Augusto Aras, representante máximo do Ministério Público Federal (MPF) e da Procuradoria-Geral da República (PGR), e governadores, após reunião de solidariedade aos ataques terroristas na Esplanada, ganhou espaço e apontou para uma pacificação democrática.

"O grande desafio do presidente Lula é reorganizar a direita civilizada no país e isolar Bolsonaro e o bolsonarismo para acabar com o avanço do fascismo no Brasil", opina Marco Aurélio de Carvalho, jurista e coordenador do Grupo Prerrogativas. "O presidente vai investir em uma relação de independência e harmonia com os demais Poderes, dando segurança jurídica e previsibilidade para as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário", completa.

Professor de ciência política, João Feres argumenta que a agressão aos Três Poderes forçou uma relação para que as instituições atacadas se unissem, mas pondera que há, para Lula, o "grande desafio de se viabilizar, do ponto de vista orçamentário, e poder governar sem ter oposição muito grande para discutir no parlamento pautas como o teto de gastos". O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), já sinalizou que intenciona que haja debate sobre a regra instalada no período de Michel Temer (MDB) na Presidência e que cria entraves para investimentos do Orçamento da União em áreas como saúde e educação, estabelecendo assim uma política de austeridade.

"Há uma agenda conservadora, mais tradicional, ditada por partidos neoliberais, alinhados a uma concepção de gasto público." Para a professora de ciência política da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Luciana Santana, apesar dos atentados e dos resultados advindos deles, Lula conseguiu se fortalecer antes mesmo do prazo que, até de maneira inconsciente, teria para estabelecer a conexão com Legislativo e Judiciário. "Lula até conseguiria com um tempo maior de mandato."

A docente considera, no entanto, que não é possível cravar que o perfil junto ao Congresso será de harmonia plena, apesar dos indícios, e que esse cenário poderá ser previsto após o início da próxima legislatura, em 1º de fevereiro. Na ocasião, Câmara dos Deputados e Senado voltam a funcionar em sua plenitude, com parlamentares empossados. "Há uma composição mais desfavorável ainda para Lula, inclusive formada por parlamentares cujos partidos estão no governo, como o União Brasil. O presidente precisa tomar rumos diferentes dos de 2003 e 2007, anos de seus anteriores mandatos, em que havia outro perfil congressista."

"Veneno"

Para Luciana, podem ter ficado resquícios do estilo de presidencialismo de coalizão, fora do preconizado pela teoria política, por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). "O parlamento provou uma espécie de veneno, com muita autonomia orçamentária. Vamos ver como deputados e senadores se comportam agora." Uma das primeiras vitórias de Lula, pelas mãos do STF, foi a decisão por maioria da Corte que tornou o Orçamento Secreto inconstitucional, fazendo com que, assim, as chamadas emendas de relator (RP9) passassem a ter 50% de controle das duas Casas do Congresso e 50% voltassem aos cofres do governo federal. O total dos recursos gira em torno de R$ 19 bilhões anualmente.

"O Congresso não foi de um todo complacente com Bolsonaro. Rodrigo Pacheco (presidente do Senado e do Congresso) é um exemplo de quem defendeu as pautas relevantes ao país. Arthur Lira (presidente da Câmara) é uma incógnita, mas ele deve ter uma atuação mais pragmática, procurando soluções mais articuladas. Segurou algumas tentativas de Bolsonaro fora do campo democrático." Acerca de possíveis divergências entre Lula e STF considerando o passado pregresso de decisões de ministros da Corte - como a de Luiz Fux, que impediu, a partir de manobra regimental, que o petista concedesse entrevista no período em que estava preso na Polícia Federal (PF), em Curitiba, —, a cientista política opina que essas situações foram superadas.

"Não tem qualquer tipo de revanchismo com relação aos ministros do STF ou Lira. Lula olha para frente, e é isso que o faz ser um dos maiores líderes políticos do país e do mundo", acrescenta Marco Aurélio de Carvalho. André Mendonça e Nunes Marques, ministros do Supremo indicados por Bolsonaro, não se manifestaram com tanto peso quanto por exemplo Ricardo Lewandowski após os atos criminosos. Para João Feres, ambos acabaram ficando meio isolados na Corte, em decorrência da atuação a favor do governo Bolsonaro em determinadas decisões. Questionado sobre se Mendonça e Nunes Marques devem se aproximar dos demais ministros em decisões que possam ir de encontro aos ideários bolsonaristas, o cientista político explica que "é difícil prever" e adensa que "a carreira jurídica é diferente da política". "Depois que eles estão lá, começam a andar com as próprias pernas".

Apesar do atual cenário de pacifismo entre Executivo, Legislativo e Judiciário, é natural das democracias movimentos de discordância. Os especialistas divergem de como as relações entre os Três Poderes vão se dar nos próximos meses. "O momento é de pacificação, de construção de caminhos para as defesas da democracia e das instituições. Acho que não vamos ter uma agenda de conflitos entre nenhum dos Poderes." Luciana argumenta que, diante dos quatro últimos anos de tensionamento, entre 2019 e 2022, o STF consolidou sua visão de relevância de harmonia institucional.

 

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O grande desafio do presidente Lula é reorganizar a direita civilizada no país e isolar Bolsonaro e o bolsonarismo para acabar com o avanço do fascismo no Brasil”
Marco Aurélio de Carvalho, jurista e coordenador do Grupo Prerrogativas

Suspeito preso em Boa Vista

A Polícia Federal prendeu em flagrante, na noite da sexta-feira, em Boa Vista, um suspeito de incentivar o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo a PF, o crime teria sido cometido por meio de um comentário em rede social. A corporação não divulgou o nome nem a atividade do acusado. O preso teria dito que seria "a hora de colocar a bala na cabeça dele" em uma publicação no Instagram sobre a visita do presidente à Roraima, no sábado. A prisão em flagrante foi fundamentada no artigo 359-M do Código Penal: "tentar depor por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído". Também foi citada incitação ao crime. A PF informou que o investigado está detido no sistema prisional do estado.

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