Jornal Correio Braziliense

Entrevista

'Os lobos solitários estão espalhados', afirma Simone Tebet

Em entrevista ao Correio, senadora licenciada diz ser necessária atenção a novas investidas golpistas como a do último dia 8. Ela afirma que pretende fazer propostas para um arcabouço fiscal e que a reforma do Imposto de Renda deve ocorrer de maneira gradual

A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, não tem dúvidas de que fez a escolha certa ao apoiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sente um alívio de missão cumprida por ter participado da derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do negacionismo que ele representou.

Na avaliação dela, "o bolsonarismo se mostrou maior do que Bolsonaro". "Os frutos, lamentavelmente, vão cair e, isoladamente, pelo Brasil. Assim, nós temos que dormir com o olho aberto, porque os lobos solitários estão espalhados", disse, em entrevista ao Correio.

Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press - 11/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Ministra Simone Tebet, faz anuncio de seu grupo de secretários.
Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press - 11/01/2023 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press Brasília- DF - Ministra Simone Tebet, faz anuncio de seu grupo de secretários.
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Marcelo Ferreira/DA Press - Ministra do Planeamento e Orçamento, Simone Tebet, durante anúncio dos primeiros nomes da equipe

A ministra integra o recém-criado Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pretende fazer propostas para o novo arcabouço fiscal. Nesse sentido, ela é a favor de uma regra focada no controle de gastos. "Acho que tem que olhar para o gasto público", defendeu.

A ministra ressaltou, também, que a reforma tributária é a prioridade do momento e que reforma do Imposto de Renda, prometida por Haddad ainda para o primeiro semestre, na avaliação dela, deverá ser gradual. Assim, a promessa de Lula de elevar a atual faixa de isenção de R$ 1,9 mil para R$ 5 mil, deverá ocorrer "até o fim do mandato". A seguir, os principais trechos da entrevista.

Dá para ter uma noção do que será possível fazer neste ano dentro de um Orçamento tão apertado?

Olha, eu acredito que sim. Dizem que é nos momentos de crise é que se cria. Quando se chega no fundo do poço, ou você fica ali, ou você dá um impulso e sai dele. Nós estamos vivendo um momento tão atípico por todas as razões. E o penúltimo domingo foi o ápice do governo disfuncional que foi o do ex-presidente Jair Bolsonaro. Não teve outra saída, não só para a Frente Democrática, Frente Ampla, mas também para grande parte da direita, a não ser, num primeiro momento, hipotecar apoio ao Brasil, à democracia e ao governo Lula. Então, acho que esse é um ponto que precisa ser ressaltado. Se havia alguma dúvida por parte dos últimos democratas, do Congresso Nacional e da classe política, não há mais dúvida de que a Frente Ampla tem que se fortalecer e que temos que ajudar nessa travessia, que é o governo Lula, e ajudar o Brasil a sair das crises. Estamos falando não só da crise econômica e social, mas também da crise política, que é a mãe de todas elas. Então, diante disso, estamos com um congresso receptivo num primeiro momento. Há, pelo menos, boa vontade em relação às propostas da equipe econômica do governo Lula.

Nós chegamos no fundo do poço, seja na crise política, seja na crise econômica. Não há crescimento sustentável, duradouro, com déficit de mais 2% do PIB. Isso não existe. Todo mundo sabe para onde iria, ou iria o Brasil a se manter isso nos próximos dois anos. Então, você cria uma incerteza de que o Brasil vai honrar os seus compromissos, os juros não caem, com juros altos o Brasil não cresce. E sem crescimento você não tem emprego e renda e você começa a impulsionar uma classe média para a pobreza ou para os serviços públicos, então, impacta ainda mais os gastos do Estado. A gente tira o filho da escola particular, se é que ainda tem. Ele deixa de pagar o plano de saúde e começa a usar a rede pública de saúde no Brasil. Então, diante de tudo isso, eu estou otimista nesse quesito do apoio político que o governo Lula vai ter para aprovar as medidas necessárias no Congresso Nacional no que se refere à nossa pasta, que é a pasta econômica.

A senhora disse, em entrevistas recentes, que o plano que já foi apresentado é insuficiente. O que que vem pela frente em termos de mais ajuste?

Estou replicando o que o ministro Haddad disse naquela coletiva. O programa de reestruturação fiscal que foi apresentado, numa análise otimista, se tudo aquilo der certo, nós zeramos o déficit este ano ainda temos um pequeno crescimento, um pequeno superávit, que, na planilha, está em R$ 11,13 bi, na melhor das hipóteses. Aí a pergunta que foi feita pela jornalista para o ministro Haddad foi, ‘mas isso aqui tem que ter tudo dá certo para a gente cumprir essa meta’. Ele falou, olha, nós estamos sendo conservadores no crescimento da receita, na visão dele, de crescer R$ 36,4 bilhões. Mas, se isso não for suficiente, palavras dele, poderemos apresentar outro programa de reestruturação. Estou replicando o que o ministro disse e com o qual eu concordo. Se, a cada trimestre, fizermos levantamento das estimativas e o programa se mostrar insuficiente, poderemos colocar um programa de reestruturação, um segundo plano. Esse é um ponto.

O segundo ponto em relação a isso é que eu fui chamada, mas minha equipe ainda não está pronta. O meu ministério ainda não existe. Ele passa a existir a partir do dia 24, quando os atos serão todos publicados e a reestruturação feita. Estamos tendo que dividir contratos internos, que antes eram do Ministério da Fazenda e que mantêm os ministérios funcionando. Fui chamada, participamos, demos sugestões e modificamos os decretos sob a ótica da despesa, não sob a ótica da receita. Em relação à receita, fomos comunicados, discutimos, mas o programa, o pacote, é do ministro Haddad. O que significa? Significa que nós poderemos, nos próximos 30, 40 dias, apresentar sob a ótica da despesa, novas sugestões de contenção de gastos.

Essa parte de corte dos gastos do pacote ainda é muito tímida. Que outras medidas a senhora acha que são possíveis fazer? Vai ser possível atacar a conta de subsídios, um discurso do governo anterior que não se concretizou, e que custa mais de 4% do PIB?

Sob a ótica das despesas, fizemos, num primeiro momento, o que é possível fazer. Não podemos chegar com o pacote pronto. A minha equipe está trabalhando numa análise, mas não vamos nos esquecer que, só de restos a pagar do governo passado para análise, e, veja, é análise, não significa que vai ter um centavo de corte, ainda estamos analisando R$ 100 bilhões. O que foi colocado no plano, alguma coisa de possível corte, algo em torno de R$ 25 bilhões. Ao mesmo tempo, revisão dos contratos, programas e ações. São dois decretos distintos, porque estamos sucedendo um governo disfuncional, que teve muito dinheiro extra, inclusive para pandemia, e que agora é hora de olhar com lupa se tem ilegalidade, se tem interesse público. Porque, (a despesa) pode ser legal, mas não atender o interesse público. E pode ser ilegal, aí, obviamente, vai ser cortado e, ou mais ainda, ele pode até ser legal, atender o interesse público, mas ficar com alguns com uma certa gordura.

Cada ministério terá que fazer a sua parte em relação a isso. E, em relação ao pacote, na minha visão, e também pelas conversas que eu tenho com o ministro Haddad, acredito que também seja a visão dele, é como uma perna, um braço de outras medidas que precisarão vir e virão. Eu citaria três, especificamente.

Quais?

Esse programa de reestruturação fiscal e a reforma tributária são as duas pernas. Há uma unanimidade de que a reforma tributária precisa sair. Qual reforma é uma outra questão, mas nunca estivemos tão próximos. Os 27 governadores deram ok para aquela proposta que está no Senado (PEC 110). Nós tínhamos votos para votar na CCJ, tínhamos votos para votar no plenário. Poderíamos ter entregue para a Câmara dos Deputados ainda no fim do ano passado, se não fosse a má vontade ou a não-vontade, e o descaso do ministro Paulo Guedes (ex-ministro da Economia) em relação a essa reforma tributária. Então, nós temos a questão da reforma tributária, como o segundo ponto. E a terceira perna, ou braço, é a questão do novo arcabouço fiscal que a gente vai começar a discutir agora. Quer dizer, o governo, o Ministério da Fazenda, começam a analisar, a pensar nas propostas e sempre nos chama para dialogar.

E, fazendo um parêntese, estamos sendo chamados para todas as discussões, seja na Casa Civil, quando envolve o Ministério do Planejamento, o Ministério da Gestão também; seja com o próprio ministro Haddad e com a equipe dele. Então, essas três medidas, eu diria sim, são fundamentais. E aí, na questão dos subsídios, quando falarmos de reforma tributária, nós estaremos sim falando de gastos tributários. Aliás, já está se discutindo qual seria a alternativa, o que cortar, o que não cortar. Mas isso é dentro do Ministério da Fazenda. Está sendo feita essa discussão dos gastos. E nossa equipe vai preparar a partir do dia 24, algumas medidas. Tem muitas coisas que podem ser mais simples de serem executadas, por mais complexas.

Por exemplo?

Esse é um problema de vocês pedirem para eu antecipar e eu, com muita boa vontade, antecipando. Ontem, eu estava batendo o martelo em relação à indicação de presidente do Ipea. Abaixo das secretarias, a Secretaria do Orçamento Federal (SOF), por exemplo, tem cinco diretorias da Secretaria de Avaliação. Em todas elas eu dei autonomia para os meus secretários, mas passa por mim a palavra final. Assim a gente está trocando o pneu com o carro andando. O Ministério está sendo recriado. O presidente Lula nos deu até o dia 24. Nós estamos usando todos os minutos desse prazo que foi dado.

O ministério não tem nem portal ainda. Se você quiser saber a minha agenda pública, não há, porque o meu ministério não existe. Eu faço quando me perguntam, às vezes, eu posto na minha rede particular, alguma coisa que nem é oficial, porque ela não tem como ser oficial. Eu falo que, no meu caso, estou com três pneus com o carro andando.

A senhora disse que vai também colocar o PPA para funcionar, que é uma coisa que sempre foi subvalorizado em todos os governos. O que garante que o PPA “agora vai”?

Primeiro, a recriação do Ministério do Planejamento, então, é um ministério só do orçamento. Segundo, que vamos ter duas secretarias. Isso é inédito. A Secretaria do Planejamento e a Secretaria de Avaliação de Políticas de Monitoramento de Políticas Públicas, que vai ser concomitante à execução das políticas públicas. Antes, você fazia a revisão, a posteriori, pelo Tribunal de Contas da União, vinha o controle interno, ou mesmo externo, sempre muito atrasado. Escolhi pessoas com muita experiência. Aceitei o cargo porque acompanho isso, falo disso há muito tempo. A gente sabe que a desigualdade no Brasil tem cor, tem gênero, tem lugar. É de uma mulher negra do Nordeste. Essa cara mais pobre do Brasil. Essa é a verdadeira desigualdade que a gente tem ali, social e regional.

Então, dentro desse processo, temos a estrutura e nós temos a vontade política da ministra. Muitos acham que o PPA deve ser extinto. Mas essa é uma decisão política que envolve o Congresso Nacional, então, não vamos discutir. Eu, particularmente, sou contra a extinção do PPA. Eu prefiro utilizar essa ferramenta poderosa para torná-la efetiva, tirá-la do papel. E agora nós temos todas as ferramentas em relação a isso. O PPA tem que estar pronto já agora, em agosto. O cronograma já está sendo executado. Ontem, por exemplo, eu já despachei com a Leany (Lemos, secretária de Planejamento) nós temos um cronograma e falta só eu dar um ok. Dei liberdade para trazer a melhor equipe que ela queira e nós vamos rodar o Brasil. Já conversei com Márcio Macedo, secretário geral da Presidência da República. Eu, se puder, pelo menos, farei uma viagem por região. Quando eu não fizer, Leany fará. E uma última informação: Escolhi para a SOF, que é a dor de dente do ministério, Paulo Bijos, um rapaz que veio da Câmara, que tem como uma das prioridades modernizar o processo orçamentário. E isso passa por duas grandes prioridades. A primeira, que tem a ver com o que a gente falou, é o orçamento de médio prazo. Temos que parar de achar e ter essa visão distorcida e equivocada, essa visão curta, de que alocar recursos públicos é feito anualmente, como se os problemas do Brasil fossem anuais.

Os problemas do Brasil perduram por quatro anos, por uma década, talvez por duas ou três décadas. Então, o Orçamento em articulação com PPA sobre, obviamente, a gestão da Leany, o Orçamento vai ampliar esse horizonte de alocação para além de um ano, numa projeção de médio prazo de quatro anos. A partir do ano que vem, teremos uma coisa mais concreta para apresentar. Assim, nesse aspecto, estou muito otimista. Não teremos um Brasil envolvido num modelo de desenvolvimento econômico sustentado, que é o que há de mais moderno, com qualidade de políticas públicas, sem planejamento. E o PPA vai ser o coração disso tudo, de pensar o país, por exemplo, a partir da nossa diversidade, da nossa pluralidade, das nossas particularidades econômicas nacionais e regionais, respeitando a determinação do presidente Lula, que é colocar o pobre no Orçamento. Mas, não só o pobre, é a mulher, o negro, a diversidade, as políticas que são essenciais, como educação, saúde, meio ambiente, com o óbvio respeito ao orçamento que nós temos, mas é escolher prioridades. O Brasil gasta muito e gasta mal.

Então, ele tem que, no mínimo, gastar bem o muito que ele gasta. E óbvio, o meu papel, paralelo a isso, como a gente ainda tem o deficit, a gente vai ter que também cortar, né? Não há como. É o que gastar, como gastar e o que cortar. Eu acho que não tem como. Esse é o meu papel. E vou ser a chata da história. Mas é isso que vai fazer com que a gente possa, depois, e eu não digo a médio prazo, é pequeno prazo mesmo, um ano, começar a ver o Brasil efetivamente crescer. Não dá para falar só de políticas públicas de excelência à custa da carga tributária. Então, você tem, de um lado, os serviços públicos de excelência, fazer muito com pouco que tem, mas, de outro lado, é ser eficiente nesses gastos para que a gente possa sinalizar e garantir segurança jurídica socioambiental. E, não podemos esquecer nunca essa palavra, de previsibilidade para o setor produtivo, que é quem investe.

Agora, ministra, a senhora está falando de carga tributária. A gente já tem uma carga tributária pesada e quando se fala em reforma tributária, existem várias questões ainda pendentes. Porque uma das críticas assim, apesar do consenso em torno da tributária, há um problema aí da questão do imposto sobre a renda. Como é que vai ficar a correção da tabela em janeiro?

Eu acho que são duas coisas paralelas. Aliás, o Brasil precisa de três reformas tributárias: sobre o consumo, sobre a renda e sobre o trabalho. Como resolver o problema da informalidade, que é uma outra história. Não estou dizendo que tem que se fazer uma de cada vez, pode se fazer concomitante. Por exemplo, a reforma sobre a renda é uma lei complementar. Então ela é muito mais fácil de ser analisada e votada. Não depende desse pingue pongue, desse vai e volta, a casa revisora tem a última palavra e matou a questão, o quórum mais simples. E ela trata de pontos específicos, bem menores que a reforma tributária sobre o consumo. Então, a reforma sobre a renda, que é o que você perguntou e que o ministro Paulo Guedes apresentou, está parada. O que ela faz? Ela mexe na tabela de Imposto de Renda para dar um fôlego para a classe média, porque a tabela está muito defasada. Então, ao isentar um número maior de contribuintes do pagamento do Imposto de Renda, você gera uma despesa, uma diminuição da arrecadação de x e esse x precisa ser compensado de outra forma. A justiça tributária exige que você, nesse caso, em tese, tribute os super ricos, que, no Brasil, a gente sabe que paga infinitamente, proporcionalmente, menos imposto do que a classe média e os mais pobres.

Então, diante disso, a alternativa seria eu estou dizendo, sob a ótica da gestão passada, eu não conversei sobre este assunto, que é muito mais ligado à Casa Civil, que é uma decisão política, e ao Ministério da Fazenda. Cabe a mim a parte técnica, fazer números, conta, e ver a viabilidade mais técnica. E se for consultada politicamente, eu falarei. Então, o que que eles previam? Eles previam duas formas: a alternativa de tributar lucros e dividendos. O Brasil é um dos únicos países do mundo que não tributa. Tem muita gente que hoje que tem dividendo e acha que tem que ser tributado, porque ganha muito e acha injusto não se tributar nada, desde que seja um valor razoável para compensar a diminuição da carga tributária dessa classe média que paga Imposto de Renda hoje. Esse é um ponto mais do que o Guedes efetivamente queria para mexer na tabela de imposto de renda para recriar o imposto, que é CPMF, que é imposto digital. Esse imposto tem uma grande rejeição de grande parte da sociedade. Quando eu digo sociedade, eu estou falando dos economistas, dos investidores, dos setor produtivo.

Então, assim é possível mexer. E o próprio presidente Lula, no seu programa de campanha, disse que iria isentar do Imposto de Renda uma parcela da população com renda mensal de até R$ 5 mil. Ele vai fazer. Nós temos quatro anos para fazer bem mais que isso. O prazo não está definido. Eu não sei. Mas sabe o que eu posso dizer é que a prioridade é nossa hoje, nós estamos trabalhando nisso e eu tenho conversado com Haddad sobre isso. E ele já escolheu uma pessoa para ser secretária especial da reforma. É a reforma tributária sobre o consumo, que é uma PEC. E, como eu disse, ela está bem adiantada no Senado. Se vai começar na Câmara, eu não sei. É uma decisão política que começa a ser feita pelo ministro Haddad junto aos presidentes da Câmara e do Senado Federal.

Essa questão de lucros e dividendos é controversa. Muitos economistas, como o Guilherme Melo, defendem com unhas e dentes. Ele acha que é a saída agora. Mas já ouvi muita gente dizendo 'ah, se eu fizer isso, vai afugentar o empresário do Brasil'…

Bom, eles sempre vão dizer isso. Mas estou falando sob a ótica do que aconteceu na Legislatura e na gestão passada. Havia duas alternativas. A primeira alternativa, que o Guedes queria, era recriar a CPMF, que impacta Deus e o mundo. E a segunda seria ou isso (a taxação de lucros e dividendos), a princípio, teria se descartado começar a tributar imposto e colocar imposto sobre grandes fortunas, que foi descartada, ou lucros e dividendos. Essa discussão, em nenhum momento, chegou na minha mesa. Eu não fui chamada para tratar da reforma do Imposto de Renda. O que já fui chamada para tratar mais de uma vez com o ministro Haddad, já fazendo uma análise sobre a ótica política do Congresso. Ele falou: Quem sabe nos ajude lá no Senado, como conhece a casa, ficou oito anos lá, sobre a questão da reforma tributária sob a ótica do consumo. É essa que está na mesa. E é mais necessária neste momento, já que o presidente Lula tem quatro anos para resolver a questão do Imposto de Renda, acho que, a partir do ano que vem, senão ainda esse ano, na minha ideia, ele pode começar a mexer nessa tabela. Essa mudança na tabela, de forma gradual, até chegar a R$ 5 mil (a partir dos R$ 1,9 mil atuais). Acredito que todo o campo das hipóteses. Eu disse que essa entrevista está muito antecipada, mas vocês pediram, eu estou dando entrevista.

Em relação à reforma tributária, a senhora acha que é realmente a PEC 45 ou a PEC 110? Tem um texto no Senado juntando as duas PECs…

O Bernard Appy (secretário especial da Reforma Tributária da Fazenda) vai trabalhar e tem consciência de que o IVA, o imposto único, dificilmente passa. O que também é adiantado é o IVA dual, que é uma mistura da PEC 110 com a PEC 45. Mas ela vai servir como base agora para o Appy, de certo, fazer um ajuste ou outro. E sobre esse assunto, é importante lembrar o seguinte: essa reforma garante neutralidade tributária. Ela não aumenta a carga tributária no Brasil. Acontece que um ganha e outros perdem. Na parte dos municípios, a maioria mais do que absoluta, mais de 4 mil municípios ganham, e uns 800 e poucos perdem. Então, a chiadeira é bem menor. Mas o setor de serviços é mais impactado é mais impactado para favorecer um setor que, proporcionalmente, é mais tributário no Brasil, que é o setor industrial. Se a gente não aliviar a carga da indústria no Brasil, a gente não consegue reindustrializar o país. Nós continuaremos sendo o Brasil sempre do futuro, sempre, o Brasil em desenvolvimento nunca desenvolvido, porque nós exportamos terra, minério, nos espantamos a riqueza bruta, que são commodities, sem valor agregado, sem geração de emprego qualificado e, depois, importamos o mesmo produto, muito mais caro.

Eu me lembro que na campanha uma coisa me chamou atenção no Espírito Santo. Eles falaram exatamente do problema do café, onde eles exportavam grãos de qualidade e depois esse grão vinha ensacado, processado, infinitamente mais caro do que um de um país da Europa. Era processado e depois vinha ensacado para o Brasil. É o fim da picada. Não tem sentido isso. Aí, você entra em toda uma questão de carga tributária, seja a carga tributária em cima da renda, seja em cima da pessoa jurídica, seja em cima do trabalhador. Não interessa isso tudo está sendo analisado. Mas a reforma tributária dá um alento, num primeiro momento. Ela porque num primeiro momento. Mas ela tem esse objetivo, e mais: ao não tributar no consumo, ela beneficia os mais pobres, porque os mais pobres vão continuar pagando o tributo sobre a cesta básica, mas eles vão ter um sistema inteligente, de computador. Aqueles que têm o cartão do Bolsa Família vão ter devolução, no mês seguinte, desse imposto, que, numa cesta básica, dá algo em torno de R$ 9 e R$ 12, por mês, é devolvido em imposto para ele, que é muita coisa. Ele compra sei lá, um quilo de feijão, compra uma dúzia de ovos, enfim. Mas estou falando da reforma que eu acompanhei. O projeto ainda nem começou. Quem vai cuidar disso é o Appy, que foi nomeado para isso. Estou falando da reforma que eu acompanhei. Eu acompanho a reforma tributária desde que eu comecei a dar aula, portanto, há 32 anos. O ex-presidente Fernando Henrique tentou.

E porque nunca conseguiram?

Mas sabe qual é o meu otimismo? É a primeira vez que os 27 governadores apoiam, porque é preciso a unanimidade, tanto que que os 27 secretários de Fazenda e dizendo o seguinte nós concordamos com essa reforma. O mais difícil era isso. O mais difícil era o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que dependia do acordo do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), mas, quando chegava no ICMS, que é uma parte muito importante da reforma tributária, não tinha acordo. Agora tem. Por isso, eu não acredito no IVA único, no imposto único. Você não consegue quebrar todos os ovos para fazer esse omelete. O que for a decisão do governo, vamos defender. O Haddad fala em seis meses, mas eu acho que, se conseguirmos até dezembro, vamos fazer um gol de placa.

Sobre o novo arcabouço fiscal, qual é a sinalização que o presidente Lula deu? Na sua avaliação, tem que olhar para o gasto como o mercado e muitos especialistas defendem?

Eu acho que tem que olhar para o gasto. Nós vamos olhar para o gasto público e, no momento que tiver maduro, vamos apresentar algumas pequenas ou grandes propostas para a Casa Civil, para o Ministério da Fazenda, que tem essa visão também de que tem que olhar. A Fazenda está pensando em algumas alternativas em relação ao novo arcabouço fiscal. Como eu cheguei agora e não havia anunciado o secretário da SOF, eles já estavam discutindo isso. Na verdade, combinamos que quando Haddad voltasse de Davos, a gente começaria a discutir. Nós já tratamos sobre vários assuntos, mas nós não tratamos ainda sobre o novo arcabouço, porque eles ainda estão buscando algumas alternativas. Então, na hora que ele tiver mais ou menos o boneco, a gente vai conversar sobre isso. A impressão que eu tenho é que eles estão com duas, três propostas na mesa e estão fazendo avaliação, estão fazendo contas.

Agora falando sobre o MDB, especificamente, o partido está pacificado? O governo pode contar com o MDB?

Pode. Bem recebido pelo Senado quase 100%. Você pode ter um ou dois e em determinadas alturas, muito particulares, contrários. Porque o MDB do Senado é um pouco mais progressista e sempre esteve mais alinhado ao governo do PT. Na Câmara são 42 deputados. Tem alguns ainda, especialmente os do Sul, que no segundo turno, apoiaram o Bolsonaro e é natural. Deve ter uns cinco, seis. Mas se você olhar, por exemplo, a bancada do Pará, fez sete ou oito deputados federais do MDB na nova Legislatura. Se você comparar, pega a bancada do Sudeste, a bancada do Nordeste, eu não vejo sustos não. A maioria absoluta está com o governo, se sentiu contemplada com as indicações, enfim. Eu acho que a bancada nesse ponto está bem coesa, inclusive para a eleição da presidência do Senado. Eu acho que tem todos os votos do Rodrigo Pacheco (presidente do Senado).

Sobre esses atos antidemocráticos. A senhora acha que o país passou essa etapa de insegurança democrática ou a senhora ainda teme? É preciso ficar atento que podemos ainda ter aí problemas nessa seara, num futuro próximo? Como a senhora avalia?

Bom, primeiro que eu acho que o penúltimo domingo foi sem dúvida, um dos dias mais importantes da nossa história. E é assim no aspecto, no sentido negativo, na gravidade, foi um dia tomado por ataques à Constituição, ao Estado Democrático de Direito, externando exatamente aquilo que o ex-presidente Bolsonaro plantou durante quatro anos de governo. Nós não podemos imputar isso a decisões isoladas de uma minoria da população brasileira. Nós vivemos quatro anos de negacionismo à vida; de ataques à Constituição, às instituições democráticas, ao Supremo, ao Congresso Nacional, à política, de discursos de ódio e de mentiras deslavadas que foram transformadas em fake news, que viralizaram pelo Brasil, dividindo os brasileiros e fazendo uma verdadeira lavagem cerebral.

O pior do ex-presidente Bolsonaro não foi, não foi só o negacionismo, negar a vacina, dividir o Brasil, a visão equivocada, armamentista, misógina e visão homogênea de mundo, de o que serve é aquilo que eu penso que os demais que se adaptem ou ou caiam fora. É que ele teve a capacidade de extrair o que há de pior em algumas pessoas. O que nós vimos, ao meu ver, no domingo, não se encerrou no domingo. Sob a ótica da democracia, nós demos a demonstração de que ela está forte e as instituições funcionam. As respostas foram, depois, imediatas. O pacto dos governadores dos 27, e por parte do Congresso Nacional, apoiando a intervenção federal. Isso não se discute. Agora, a semente foi plantada. Os frutos, lamentavelmente, vão cair e, isoladamente, pelo Brasil. Assim nós temos que eu já disse isso, dormir com o olho aberto, porque os lobos solitários, agora, estão espalhados.

Por quê?

Foi feito uma lavagem cerebral. É uma convicção totalmente distorcida e disruptiva de morrer pela pátria, para defender uma causa que, de pública, não tem nada. Ataques à democracia, não mais ataques às instituições e ataques espontâneos e isolados, nós podemos sim. Não podemos, depois de domingo, desconsiderar isso que eu estou dizendo . Não dá para desconsiderar que a gente não criou lobos solitários, que, mesmo sem chefe. De forma objetiva, acabou de se confirmar que o bolsonarismo passou a ser maior que Bolsonaro é tudo de mal que isso significa. Nós estamos atentos. O Brasil, na eleição, na posse do Lula, retomou o curso normal da história. Um presidente democrata. E aqui vai um elogio espontâneo ao presidente Lula. Numa comparação (com o anterior), hoje nós temos um presidente que tem a alma. E, com isso, eu quero dizer exatamente o que eu quis dizer: nós acabamos nas urnas derrotar um presidente desalmado e desumano. Então, assim, só isso faz toda a diferença. Um presidente que tem alma e que é democrata. Imagina a gente em pleno século XXI, tendo que colocar isso como elogio que é pré-condição de um homem público.

A senhora se sente segura no Brasil?

Olha, eu nunca tinha tido, mesmo com as minhas tomadas de decisões, mesmo com o impeachment, da presidente Dilma, por exemplo, eu nunca tinha tido nenhum tipo de ataque pelas decisões que tomei. Foram várias decisões, muitas vezes as amargas dentro do Congresso, com votações complexas. Sempre tive lado, sempre defendi e tornava pública minhas decisões. Nunca fugi de uma votação e tudo mais. E passei por questões graves. Eu nunca fui atacada na rua e nunca fui agredida verbalmente. E, quando tomei a decisão logo de imediato, após o resultado, no mesmo dia. A partir de então, eu sofri ameaças. Eu tive ataques verbais na rua. No caso específico, foram dois mais assim e um de menor importância. E, no WhatsApp também, eu tive situações onde a direita nos grupos, uma parte, imputou a mim a derrota do Bolsonaro, porque a diferença foi muito pouca. Mas isso não me causa nenhum stress assim no espírito, assim estou em paz. Eu acho que eu nunca estive tão em paz na minha vida. A princípio não ia aceitar o ministério. Eu tinha convicção de que o meu papel havia terminado e a página tinha se virado, ou um capítulo se, eu decidi de última hora, depois da última conversa que tive lá pelo Natal. E, menos de 24 horas eu mudei totalmente de ideia. Mas eu tinha convicção que se um dia eu entrei para a vida pública, apesar de tudo o que eu já fiz, acho que fiz muita coisa boa, entre os equívocos que devo ter cometido. F

oi a primeira mulher prefeita, a primeira vice-governadora. Como prefeita, foi a que mais gerou emprego em toda a história do meu estado. Mas, devido à importância que tive na vida do meu estado, eu acho que tudo convergiu para que eu tivesse que cumprir uma missão na minha vida política. E ela foi cumprida, que foi meu papel na eleição e no segundo turno. Então, acho que nada que eu faça, no futuro, vai ter tamanha importância quanto isso. Eu estava no lugar certo, na hora certa, e Deus permitiu que eu tomasse a decisão certa. Assim, é uma convicção que eu tenho, posso está equivocada, mas ainda assim. São 20 anos de vida pública, que eu praticamente levei quatro anos tentando não entrar. Eu fazia política de outra forma, eu era de movimentos, e nunca me imaginava com mandato eletivo. Mas eu entrei para a vida pública foi para que, naquele dia, do segundo turno, para eu tomar a decisão não só de apoiar, mas vestir a camisa da candidatura do Lula como se fosse a minha.

Eu fui para a rua, fui para o campo. Eu acho que o que eu tinha que cumprir, eu cumpri. O que tiver que acontecer, vai acontecer. Obviamente, a gente toma todos os cuidados. Eu não tenho medo do que acontece comigo. Eu tenho medo do que acontece com o país. O que vai acontecer com o país acontece com as minhas filhas e com as filhas e filhos do Brasil. Acho que é isso. Esse é o receio, o receio de a gente nunca voltar, o curso normal da história. E nós precisamos desses quatro anos para voltar ao curso normal da história. O que significa e significa enquadrar essas pessoas que são golpistas, vândalos e pessoas extremistas e punir com rigor da lei e debelar qualquer tipo de novo movimento que possa vir. É um processo lento e de educação e insistência em todas as entrevistas em todo o momento dentro das escolas. Nós vamos participar e nós vamos ter que colocar a importância da democracia na vida de cada brasileiro, nas páginas dos jornais e na agenda política brasileira.

Já bateu também o martelo para a presidência do IBGE?

IBGE, não. Estou analisando cinco currículos, mas eu já posso dizer que a pessoa está chegando, eu faço convite oficial, vou fazer um convite especial pra essa pessoa. Então não vou nem adiantar, porque vai que essa pessoa já foi sondada. Mas assim vai aqui, chega aqui e fala não, não quero, aí não posso antecipar.

Ministra, para concluir, qual vai ser o critério para o comando do Ipea e do IBGE? Vão ser duas mulheres?

O meu ministério vai ser paritário e já está sendo. Tem três mulheres e três homens na cúpula. Da mesma forma, agora, os adjuntos, diretores de presidentes de órgãos. Vou procurar escolher um homem e uma mulher. Estou analisando os currículos e deverei fechar ainda nesta semana. Eu vou ver aqui se a paridade é para ser um homem ou uma mulher em cada instituto. Eu vou procurar escolher um homem e uma mulher para cada instituto. Mas, no geral, eu estou falando de qualidade, senão eu acabo prejudicando o currículo. Por exemplo, pode ser que os dois currículos melhores para os institutos sejam de homens e eu tenho que procurar colocar mais mulheres em diretorias e em adjunto e tudo mais. Vou fazer força para que seja mulher. Vai depender também do currículo. Currículo igual, a mulher ganha. Mas currículo diferente e se o homem tiver um currículo melhor, a escolha vai ser de um homem. Quem vai cometer misoginia às avessas, desta vez, sou eu. As mulheres sofrem com isso o tempo todo.

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