meio ambiente

Lula é criticado por presidente colombiano na Cúpula da Amazônia

No evento em Belém, Gustavo Petro pede fim da exploração de petróleo na Amazônia, num recado direto ao chefe de Estado brasileiro

Ândrea Malcher - Enviada Especial
postado em 09/08/2023 03:55
O presidente Lula não descarta estudos para a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas  -  (crédito:  Raimundo Paccó/Esp.CB)
O presidente Lula não descarta estudos para a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas - (crédito: Raimundo Paccó/Esp.CB)

Belém — O primeiro dia da Cúpula da Amazônia, em Belém, terminou com poucas ações práticas previstas para o desenvolvimento sustentável e o combate ao desmatamento na região. A declaração emitida em conjunto pelos representantes dos oito países que abrigam a floresta não incluiu compromisso para a redução da exploração de petróleo na área. O assunto foi motivo de críticas duras do presidente da Colômbia, Gustavo Petro. A posição do chefe de Estado vai de encontro à do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na segunda-feira, o petista afirmou que a questão da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas — solicitada pela Petrobras e negada, a princípio, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) — não seria um ponto de debate da Cúpula. Ele, porém, já disse, em outra ocasião, achar "difícil" que um projeto petrolífero no local provoque dano. No governo, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, marcou posição contra esse tipo de atividade na região.

Gustavo Petro reclamou que na Declaração de Belém não há o compromisso para a redução de exploração na região. Na avaliação do líder colombiano, a política parece ser incapaz de "se destacar dos interesses econômicos que derivam do capital fóssil".

Petro ainda afirmou que para governantes da direita é fácil negar a importância de fontes de energia limpa, mas líderes progressistas deveriam estar mais alinhados à ciência. "Cada vez mais, o movimento social se junta com a ciência. E a política, cada vez mais, está presa na retórica", enfatizou. "É muito difícil para os latino-americanos pensar que nós, que vivemos do petróleo, do carvão, do gás, especialmente a Guiana, que, agora, o planeta precisa deixar de usar o petróleo, o carvão e o gás", acrescentou.

Questionado por jornalistas sobre o assunto, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tentou se esquivar. Ele voltou a destacar o direito de o Brasil conhecer suas "potencialidades". "Faz todo sentido se debater a necessidade de nós sabermos e conhecermos as nossas potencialidades energéticas tanto em solo quanto em mar. A dúvida é respondida pelas próprias palavras 'transição energética'. Ninguém fala em mudança de matriz energética", frisou. "Mudança é algo mais abrupto, o que falamos é transição. Todos nós remamos no planeta para o mesmo rumo, que é melhorar nossa matriz de energia elétrica, e o Brasil como protagonista disso."

Silveira ainda destacou que "não podemos vendar nossos olhos à realidade". "Nenhum cientista consegue afirmar quando essa transição estará consolidada ao ponto de podermos abrir mão da necessidade de uso de algumas matrizes", completou.

O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, reiterou o posicionamento de Lula, ao afirmar que os governos dos oito países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) não estavam em Belém para debater petróleo na Amazônia e tentou contemporizar a intenção da estatal. "Nós estamos, na verdade, analisando a questão da sustentabilidade. Temos, hoje, um programa de reflorestamento muito importante no Brasil, bancado pela Petrobras, cerca de 3% do território nacional em área. E temos muitas atividades na área de sustentabilidade. Então, é disso que nós viemos tratar", esquivou-se.

"A Petrobras produz petróleo na região amazônica com muita responsabilidade, sem nenhum incidente há décadas. Com muita responsabilidade, com tecnologia de ponta, com o máximo de mitigação de efeitos, com o mínimo de devastação, com o mínimo de prejuízo para a natureza, para a sustentabilidade e com muitos programas sociais importantes, deixando royalties e participações governamentais importantes para o estado do Amazonas e outros estados amazônicos", continuou Prates. "Então, essa decisão sobre petróleo, sobre suspender a exploração, etc, são decisões de Estado, do Estado brasileiro e, se forem tomadas, terão de ser cumpridas", acrescentou.

Na opinião de Prates, ainda é cedo para "tratar de um assunto tão drástico". "A transição energética, por si mesma, é uma transição, não uma ruptura. Não acontece de um dia para o outro. O que temos de fazer, inclusive aproveitando que a COP será aqui, é discutir como o uso do petróleo, que ainda vai durar por algumas décadas, pode ajudar a capitalizar, a financiar a transição energética", finalizou.

Lula: floresta não é "tesouro a ser saqueado"

Na abertura da Cúpula da Amazônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu que o desmatamento seja zerado até 2030. No entanto, os outros sete países que compõem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) enxergam a meta como ousada e alegam problemas estruturais em suas nações para alcançar a proposta.

Segundo Lula, o encontro em Belém serve a "grandes propósitos": uma nova visão de desenvolvimento sustentável, o fomento à ciência, tecnologia e inovação; o estímulo à economia local; o combate ao crime internacional; e a valorização dos povos indígenas e comunidades tradicionais e seus conhecimentos ancestrais.

"Em segundo lugar, estão as medidas para o fortalecimento da OTCA. A OTCA é um legado construído ao longo de quase meio século e representa o único bloco do mundo que nasceu com uma missão socioambiental. Ampliando e aprofundando nossas iniciativas de cooperação, coordenação e integração entre os membros da OTCA, poderemos assegurar que nossa visão de desenvolvimento sustentável terá vida longa e amplo alcance", pontuou. "Finalmente, fortaleceremos o lugar dos países detentores das florestas tropicais na agenda global, em temas que vão do enfrentamento à mudança do clima à reforma do sistema financeiro internacional", acrescentou.

Cooperação

Na avaliação de Lula, a floresta amazônica não pode ser tratada como um "depósito de riquezas" e que não é um vazio "a ser ocupado" ou um "tesouro a ser saqueado". "Queremos retomar cooperação com os países e superar desconfianças", enfatizou.

O petista destacou que os recursos da região não serão mais explorados "a serviço de poucos". Segundo ele, o sistema internacional global reservou aos sul-americanos o papel de fornecedor de matéria-prima. "A transição ecológica justa nos permite mudar esse quadro", emendou.

"A Amazônia é nosso passaporte para uma nova relação com o mundo — uma relação mais simétrica, na qual nossos recursos não serão explorados em benefício de poucos, mas valorizados e colocados a serviço de todos", complementou.

Lula também fez críticas ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com ele, o antecessor tornou o país "um pária entre nações" e permitiu o aumento do desmatamento. "A crise política que se abateu sobre o Brasil levou ao poder um governo negacionista com consequências nefastas", disparou.

De acordo com o presidente, redes criminosas se organizaram e ampliaram a insegurança na Amazônia. Ele alegou que seu governo mudou esse cenário.

 

 

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