Análise

Alexandre Garcia: O estrangeiro

"Teve que aparecer um estrangeiro a nos alertar sobre liberdade de expressão. Se for para impedir mentira espalhada, é impraticável. Deixem o povo identificar os mentirosos e condená-los ao ostracismo", diz o jornalista

Bolsonaro e Musk se encontraram, em 2022. Empresário veio ao Brasil a título de investir em telecomunicações -  (crédito: Cleverson Oliveira/Mcom)
Bolsonaro e Musk se encontraram, em 2022. Empresário veio ao Brasil a título de investir em telecomunicações - (crédito: Cleverson Oliveira/Mcom)
postado em 10/04/2024 03:55

Já que o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) não se anima, Elon Musk resolveu peitar Alexandre de Moraes, supremo entre os supremos. O empresário ficou popular no Brasil e o ministro do Supremo Tribunal Federal se tornou conhecido no mundo. Musk não é americano, e sim sul-africano, mas como ele mora nos Estados Unidos — é lá que estão suas empresas — vale aqui no Brasil como americano, para turbinar nosso espírito colonial.

Enfim, um salvador da pátria, já que o outro está inelegível, por inspiração de Alexandre de Moraes. Combater as decisões do ministro é perigoso para quem não quer ir morar na cadeia ou nos EUA. Então, ninguém com melhor salvo-conduto do que Musk para sugerir que Moraes renuncie ou sofra impeachment. Outros podem ter sido acordados para o nacionalismo e estão julgando que Musk se intromete mais em nossa soberania do que o presidente francês Emmanuel Macron na Amazônia.

O inquérito das fake news, ao ser aberto sem Ministério Público pelo ministro Dias Toffoli, considerou que as dependências do Supremo são o mundo, como o urbi et orbi do papa, falando para Roma e o mundo. E pegou todo mundo — nem Elon Musk escapou. O nome "inquérito do fim do mundo", apadrinhado pelo ministro aposentado Marco Aurélio, nunca esteve tão próximo do apocalipse.

A inclusão de Musk, agora investigado pela Polícia Federal (PF), rendeu notícia nos jornais do mundo todo, talvez até superando o ibope do Tribunal de Haia. E Musk concorre com Vladmir Putin, como alvo de tribunais de nomeada.

Musk prometeu livrar dos bloqueios no seu X os censurados por Moraes. E ressalva que foi Moraes, e não a plataforma, que os bloqueou. Por sua vez, Moraes ameaçou multar Musk em R$ 100 mil por perfil liberado. Fiança ao contrário. Musk reconhece que pode perder dinheiro se tiver que retirar seus negócios do Brasil. Porque dinheiro ele pode perder, e ainda lhe sobra muito. Já defender a liberdade de expressão é um acúmulo de capital que ninguém pode bloquear. Imagine o quanto vale o reconhecimento de que é um defensor da liberdade de expressão no Brasil.

De nossa parte, a gente pode perder o X, o pay pal, o starlink, a Tesla… e, quem sabe, perder a oportunidade de voar daqui para outra galáxia — o que foi criticado por Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o nosso presidente, não há espaço em outros mundos e Musk tem que aprender a viver aqui. Por aqui, na Amazônia, 90% da ligação com o mundo é pelos satélites de Musk.

De repente, o Brasil se dividiu em duas torcidas: Moraes e Musk. A torcida de Moraes diz que nenhum empresário pode deixar de se submeter à Constituição, às leis e às decisões do Poder Judiciário. A torcida de Musk grita, das arquibancadas, que nenhuma autoridade pode ignorar as leis, a Constituição e o Poder Legislativo.

Se houvesse Poder Moderador, este diria que a Constituição garante o direito de expressar o pensamento sem anonimato e veda qualquer tipo de censura, política, artística ou ideológica. E que para calúnia, injúria e difamação, já tem o Código Penal. As questões das redes sociais já estão na Lei de 2014, o Marco Civil da Internet.

Teve que aparecer um estrangeiro a nos alertar sobre liberdade de expressão. Se for para impedir mentira espalhada, é impraticável. Deixem o povo identificar os mentirosos e condená-los ao ostracismo. O povo que não condenar o mentiroso ficará sempre condenado.

 

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