
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em ampliar a responsabilização das redes sociais sobre conteúdos publicados por seus usuários foi destaque no Xlll Fórum de Lisboa — evento que reuniu autoridades dos Três Poderes, em Portugal, com discussões sobre direito, democracia e sustentabilidade na Era da informação. Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes defenderam as mudanças impostas pelo Judiciário para as big techs.
A Corte decidiu, no mês passado, que as redes sociais devem ser responsabilizadas por postagens ofensivas de seus usuários, sem a necessidade de uma decisão judicial. Para os magistrados, o artigo 19 do Marco Civil da Internet é parcialmente inconstitucional, pois há omissão na proteção de direitos fundamentais da pessoa humana.
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No Fórum, Moraes ressaltou que as plataformas não são neutras. "Elas (big techs) têm lado, têm religião, opção econômica, opção política", afirmou ao defender a regulação das redes. "A primeira pergunta que faço é: que tipo de internet nós queremos?", questionou. "Nós queremos uma rede social que direcione, impulsione e divulgue mensagens contra direitos arduamente conquistados por minorias?", completou.
Uma das principais mudanças impostas pelo Supremo é que as redes deverão levar em conta a notificação extrajudicial para remover um conteúdo irregular. Isso deve valer enquanto não houver uma nova lei sancionada para tratar do assunto. As empresas também devem responder civilmente por danos morais causados por conteúdos ofensivos ou ilegais, como racismo, discurso de ódio, incitação à violência e fake news.
O presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, também defendeu o entendimento do Judiciário. "O STF fez uma decisão extremamente equilibrada, extremamente moderada, e acho que foi um movimento exemplar para o mundo de maneira geral. Não há nenhum tipo de censura envolvido aqui, a não ser que alguém ache que impedir pornografia infantil na rede seja censura", disse.
O ministro Gilmar Mendes, idealizador e anfitrião do fórum, disse que "responsabilizar as big techs é fundamental para restaurar a civilidade na esfera digital". "Declarar parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet para estabelecer o dever de remoção e de responsabilização das big techs das postagens criminosas e ofensivas de seus usuários parece fundamental, não apenas para coibir a prática de crimes e preservar a honra das pessoas, mas para restabelecer a civilidade e a fecundidade da esfera pública digital", completou o decano.
Do lado do Congresso
O julgamento da regulamentação das redes sociais provocou um debate sobre a quem cabe o trabalho de definir a responsabilidade das big techs no país. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu publicamente a necessidade de atualização do marco regulatório da internet de forma democrática e ampla, ouvindo também a sociedade brasileira.
Em Lisboa, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), evitou dar declarações sobre o assunto. No entanto, em Brasília, criticou o Supremo, afirmando que "não legislar também é uma posição" e que a Corte tem legislado, avançando além de suas competências.
A deputada Duda Salabert (PDT-MG) criticou a inércia do Congresso diante do tema e alertou para os riscos da falta de regulamentação. "Responsabilizar as plataformas não é sinônimo de censura. Significa que as big techs devem responder à Justiça quando notificadas e não se omitirem, sob risco de se tornarem cúmplices de crimes", afirmou.
Na mesma linha, o deputado Dorinaldo Malafaia (PDT-AP) defendeu que o Congresso assuma o protagonismo na regulamentação das redes. O autor do Projeto de Lei 3224/24, que trata do uso consciente de telas por crianças e adolescentes, ele argumentou que é responsabilidade do Legislativo atualizar a legislação diante da escalada de poder das big techs.
Por outro lado, o deputado Kim Kataguiri (União-SP) manifestou preocupação com a decisão do STF. Para ele, responsabilizar-se por plataformas por conteúdos de terceiros pode comprometer a internet como espaço livre para troca de ideias. "Se formos obrigados a censurar preventivamente qualquer conteúdo, institucionalizaremos a autocensura e um ambiente de vigilância permanente", disse.
Luana Patriolino
RepórterJornalista há 10 anos, é setorista de Poder Judiciário no Correio Braziliense. Já passou pelo caderno de Cidades e pela Revista do Correio. Tem experiência em site, impresso, rádio e assessorias de imprensa.