
A Câmara aprovou, na madrugada de ontem, o Projeto de Lei 2.159/2021, apelidado pelos críticos de PL da Devastação, uma vez que flexibiliza o licenciamento ambiental. O texto passou por 267 x 116, depois de ter sido aprovado no Senado em maio, e segue para sanção presidencial. A larga margem de aprovação da matéria mostra que mesmo partidos que têm postos no governo fecharam pela aprovação, o que deixa a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, como voz isolada dentro do Executivo.
Ela já tinha como adversários sobre o tema os ministros Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária) e Renan Filho (Transportes), que veem pontos positivos no PL. Eles defendem que com uma legislação para o licenciamento ambiental menos "engessada", é possível agilizar obras de infraestrutura.
Marina também não encontra apoio quando a discussão é a exploração do petróleo na Margem Equatorial. Defendida ostensivamente pelos ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais), a aprovação do projeto pode agilizar os estudos de viabilidade. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se manifestou, embora já tivesse defendido, em ocasiões anteriores, a prospecção na foz do Rio Amazonas como forma de bancar a transição energética.
A ministra, porém, marcou posição contra a aprovação do PL. Para ela, o texto "fere de morte um dos principais instrumentos da proteção ambiental do país, que é o licenciamento ambiental", uma vez que as novas regras criam exceções em licenças para obras consideradas estratégicas e facilitam autorizações por meio de uma simples declaração de compromisso. Segundo Marina, o projeto "flexibiliza ao extremo os procedimentos de licenciamento ambiental e fragiliza todo o arcabouço legal que sustenta a proteção socioambiental, sem trazer ganho de eficiência ou agilidade".
"A proposta aprovada na Câmara impõe retrocessos estruturais e cria vulnerabilidades socioambientais e insegurança jurídica, podendo, inclusive, ser questionada na Justiça por setores da sociedade. A sociedade deve se manter mobilizada e o governo vai continuar trabalhando, porque precisamos consolidar um marco legal do licenciamento ambiental que esteja à altura de nossas imensas riquezas naturais, da tradição jurídica brasileira, tanto em defesa do meio ambiente, quanto na segurança e previsibilidade para os empreendimentos a serem licenciados, e alinhado com os princípios da sustentabilidade e da proteção ambiental", destacou Marina.
O substitutivo do PL traz, entre as 29 emendas aprovadas, a criação da Licença Ambiental Especial (LAE) para empreendimentos considerados estratégicos por um conselho do governo ligado à Presidência da República, mesmo que haja "significativa degradação do meio ambiente". No caso do licenciamento ambiental simplificado por adesão e compromisso (LAC), a solicitação poderá ocorrer sem a necessidade de estudos de impacto. O ente federativo definirá o potencial poluidor das atividades dos empreendimentos. (leia mo que muda no quadro)
"A proteção é assegurada por um bom licenciamento, que faz com que os processos possam ganhar agilidade, qualidade e segurança jurídica. Se cada estado e cada município determinarem o que é risco ambiental de forma diferente na sua unidade da Federação, isso vai criar um processo de questionamento jurídico, de judicialização generalizado. As leis da natureza não vão mudar porque algo é prioridade de um governo. O rio pode entrar em colapso do mesmo jeito, sendo prioridade ou não. Por isso, nas hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, mesmo sendo prioridades para evitar o apagão, nós fizemos o licenciamento obedecendo às três fases, porque a natureza não muda em função das nossas necessidades", lembrou Marina.
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Para a ministra, a aprovação do PL traz, ainda, um dano colateral: enfraquece o discurso do governo sobre preservação ambiental justamente no momento em que sedia a COP30, em novembro, em Belém. Ela, porém, afirmou que atuará para que Lula vete a matéria integralmente, o que transferiria para o Congresso o ônus da derrubada do veto e a responsabilidade pela flexibilização do licenciamento ambiental.
Defesa
Já o ministro Renan Filho defendeu, ontem, alguns pontos do PL. Em entrevista à CNN, ele frisou que "tem um artigo que diz que a rodovia que já foi asfaltada no passado não precisa ter o mesmo licenciamento de uma rodovia que nunca foi asfaltada. Eu concordo com isso. Defendo que, em casos específicos, o governo possa agilizar a decisão do licenciamento ambiental ". Da mesma forma, ele considera que, em relação à Margem Equatorial, não se pode mais ficar discutindo a autorização para fazer estudos de viabilidade por conta de restrições da lei.
"Não está em debate ainda a própria exploração do óleo. Estão em debate os estudos para verificar se há óleo ou não. Então, eu defendo que tenha condição de que os estudos sejam realizados", salientou, acrescentando que o Brasil marca passo na discussão, uma vez que do outro lado da fronteira, na Guiana e na Guiana Francesa, grandes petroleiras fazem a prospecção há tempos.
"Eles podem explorar ali e o Brasil não pode? Isso não tem sentido. Porque eu imagino assim: se tiver muito óleo lá, que seja uma riqueza representativa do ponto de vista internacional e para o próprio Brasil, que a gente explore. Agora, se tiver pouco óleo, que não tenha significância econômica, deixa lá. Mas a gente sequer sabe se tem ou não", salientou.
Em maio, pouco depois que o texto foi aprovado pelo Senado, o ministro Carlos Fávaro manifestou apoio ao PL, indo na direção contrária às críticas que Marina fizera na ocasião. "Fazendo uma análise mais profunda do texto, pode haver divergências e é respeitoso isso. A gente tem que entender que um governo é plural. As áreas podem ter, em algum momento, conflitos de ideias e de pensamentos", afirmou. Conforme observou o ministro da Agricultura, "é um projeto de lei, que, quando transformado em lei, vai dar ao Brasil uma grande capacidade, principalmente para licenciar obras de infraestrutura, o que vai garantir ao Brasil um crescimento sustentável. Porque crescimento econômico tem que estar aliado a crescimento em investimentos em infraestrutura".
Embora jamais tenha explicitado apoio ao PL, o ministro Alexandre Silveira há tempos faz um contraponto aberto a Marina por conta das supostas barreiras que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) coloca para a realização de estudos sobre a prospecção na Margem Equatorial. Assim que a matéria foi aprovada no Senado, em maio, ele criticou a demora da autarquia em se dispor a participar de uma reunião para a debater, com os técnicos da pasta e da Petrobras, a viabilidade da exploração na foz do Rio Amazonas.
"Já pedi duas vezes, já reiterei e, inusitadamente, estou aguardando. Com muita paciência e humildade", explicou.
Gleisi Hoffmann, por sua vez, seu uniu às críticas de Silveira contra a postura do Ibama. Ela disse que "o potencial de recursos petrolíferos na Margem Equatorial está demonstrado pelos países vizinhos, que já trabalham na área. Pesquisar estes recursos é obrigação de um país que busca a segurança energética, ao mesmo tempo em que incentiva a transição", observou.
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