GUERRA TARIFÁRIA

Lula manda recado a Trump e busca novos mercados no Brics

Presidente grava vídeo para republicano e intensifica agenda internacional para buscar novos mercados aos produtos brasileiros

Lula divulga vídeo plantando pé de uva no Palácio da Alvorada e convida Trump para visitar:
Lula divulga vídeo plantando pé de uva no Palácio da Alvorada e convida Trump para visitar: "Estou plantando comida e não plantando ódio" - (crédito: Reprodução/Instagram)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) inicia a semana com foco na agenda internacional, em busca de novos mercados para os produtos brasileiros, a fim de minimizar os impactos do tarifaço dos Estados Unidos. Desde o dia 6, passou a vigorar a sobretaxa de 50% ao Brasil, e o presidente norte-americano, Donald Trump, não tem sinalizado a abertura de um canal de diálogo com autoridades brasileiras. E Lula, segue mandando seus recados irônicos e, na noite de sábado, foi a vez de gravar um vídeo plantando um pé de uva.

"Trump, eu queria aproveitar este sábado, em que estou plantando o pé de uva aqui no Alvorada, um lugar que espero que um dia você possa visitar, para que a gente possa conversar e para que conheça o Brasil verdadeiro", afirmou, em recado direto ao republicano, no vídeo postado às 23h. "Isso aqui é um exemplo. Estou plantando comida e não plantando violência e plantando ódio", acrescentou.

A muda plantada por Lula é originária do Vale do São Francisco (PE), polo responsável por boa parte da produção de frutas destinadas ao mercado norte-americano. Produtores da região alertam para risco de perdas milionárias, queda de renda e possíveis demissões.

A agenda internacional de Lula desta semana começa, hoje, no Palácio do Planalto, com o presidente do Equador, Daniel Noboa, em visita de Estado. O encontro prevê assinatura de acordos para fortalecer a integração regional e ampliar o comércio bilateral. Além da reunião com Noboa, Lula prepara outros movimentos na diplomacia, como ampliar mercados na Ásia, na Europa e na América Latina.

O vice-presidente Geraldo Alckmin embarca para o México, ainda neste mês em missão oficial, e Lula segue articulando reuniões virtuais com os líderes do Brics sobre cooperação comercial. O chefe do Executivo também pretende telefonar, nos próximos dias, para a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e para o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer.

Segundo o Palácio do Planalto, a meta é "negociar com todos os interessados". Apenas neste ano, o Brasil abriu 100 novos mercados para o agronegócio, como a exportação de carne bovina com osso e miúdos para as Filipinas. Desde 2023, já são 400 novas aberturas. Em janeiro de 2026, está confirmada a viagem presidencial para a Índia, com uma comitiva de empresários em busca de novos contratos.

A secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Tatiana Prazeres, afirmou que a estratégia envolve acordos internacionais e promoção ativa de produtos nacionais. "Concluir acordos para reduzir barreiras e tarifas e promover os produtos brasileiros junto a novos parceiros", resumiu.

A agenda internacional mais agitada ocorre em meio à escalada de tensão comercial provocada pelo governo Trump. O tarifaço atinge especialmente exportadores de uva e manga, produtos que têm nos Estados Unidos um de seus principais mercados. De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), o tarifaço pode ser devastador para o setor.

Movimentos

Lula segue articulando uma teleconferência entre chefes de Estado do Brics para debater respostas conjuntas ao aumento de tarifas imposto pelos EUA sobre os produtos dos países do bloco, que passou a ter 11 membros neste ano. Os principais países do Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — viraram alvo de Trump principalmente pela movimentação do bloco para diminuir a dependência do dólar, moeda norte-americana. Porém, as tarifas adotadas variam. Trump chegou a anunciar taxação para a China de 145%, mas depois das retaliações de Pequim, o tributo foi ajustado para 30%, com início da aplicação adiada por 90 dias. A África do Sul recebeu a mesma alíquota, de 30%. A Rússia, que é alvo de pesadas sanções econômicas, não foi atingida. E a Índia, assim como o Brasil, enfrenta a tributação de 50% sobre seus produtos vendidos nos EUA.

A iniciativa de Lula com outros países do bloco busca montar um plano de ação coordenado para minimizar os impactos do chamado "tarifaço" do governo Trump. Dentre as opções à mesa estão a ampliação do comércio interno, uso de moedas locais para o comércio — sem depender do dólar — e até a divulgação de manifestações conjuntas ou retaliações contra os Estados Unidos. Esse último cenário, porém, é considerado improvável por especialistas devido à diversidade de interesses que compõem o Brics.

Em entrevista à agência Reuters, na semana passada, Lula anunciou que tenta organizar uma teleconferência entre chefes de Estado do Brics e também de outros países e ainda disse que falaria com a França, com a Alemanha. "Vou falar com todo mundo. Junto ao Brics, nós vamos fazer uma teleconferência, que está sendo articulada, para a gente discutir, dentro do Brics, o que podemos fazer para a gente melhorar a nossa relação entre todos os países que foram afetados", contou o presidente. A reunião ainda não tem data marcada.

Além de Lula, outros líderes do bloco se movimentam. O premiê indiano, Narendra Modi, anunciou que vai visitar a China pela primeira vez em sete anos, ainda neste mês. Ele deve se encontrar com o presidente chinês, Xi Jinping, durante a viagem. China e Índia possuem uma relação tensa, inclusive, na fronteira. Em 2020, militares dos dois países se envolveram em confronto que deixou mortos e levou a uma série de restrições para a relação diplomática, como a suspensão de voos. Essas medidas só foram afrouxadas em outubro do ano passado. Além do encontro entre Modi e Xi, o chanceler da China, Wang Wi, fará uma visita a Nova Delhi ainda em agosto.

Considerando a falta de abertura para a negociação das taxas entre autoridades brasileiras e norte-americanas, integrantes do Executivo descartam sumariamente a possibilidade de incluir nas conversas o fim do julgamento contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado, principal exigência de Trump. Enquanto se aproxima do Brics, o Brasil também se movimenta na Organização Mundial de Comércio (OMC), que já foi acionada para mediar a disputa, e enviará nesta segunda-feira um documento em resposta à investigação dos EUA que mira o Pix.

O Planalto vê a decisão de Trump como politicamente motivada e uma afronta à soberania nacional. E, para piorar, a ofensiva do republicano vai além das tarifas. Na semana passada, o republicano anunciou novas sanções contra ministros brasileiros, entre eles, Alexandre Padilha, (Saúde), em retaliação à condução de processos contra o ex-capitão.

Em paralelo, o governo brasileiro tem reforçado a atuação internacional para reduzir os danos. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil) abriu um novo escritório em Washington, em parceria com a Câmara Americana de Comércio (Amcham). O objetivo é ampliar a lista de mais de 700 produtos já excluídos do tarifaço e pressionar importadores norte-americanos a defenderem seus próprios interesses junto à Casa Branca.

Oportunidades

Para a professora de economia e relações internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) Lia Valls, há pouca disposição entre os países do Brics para emitir manifestações conjuntas contra o tarifaço dos Estados Unidos ou mesmo para adotar medidas retaliatórias. Porém, os membros do bloco buscam agora ampliar as negociações entre si. Ela lembra que a China autorizou, no início de agosto, que 183 empresas brasileiras exportem café, um dos produtos mais afetados pela sobretaxa norte-americana.

Além disso, há negociações para que o país asiático retome em breve a importação de frango, suspensa desde julho após casos de gripe aviária no território brasileiro. Na ligação com Modi, Lula disse que quer aumentar o comércio entre Brasil e Índia de US$ 12 bilhões, atualmente, para US$ 20 bilhões, em 2030. "Mas mesmo isso seria feito em termos bilaterais. Não há possibilidade de imaginar o Brics propondo fazer uma grande área de livre-comércio entre eles. Seria mais uma expansão, nos casos em que haja interesse, de facilitação do comércio", avalia Lia Valls.

Outra possibilidade envolve fortalecer a atuação conjunta do Brics em órgãos internacionais, como a OMC. "O Brics continua sendo um mecanismo importante, em termos de mostrar a possibilidade de cooperação entre países com uma diversidade de interesses. Mas, como vimos no G20, nem sempre as posições (dos países do Brics) são comuns", afirma Valls.

A especialista também conta que, embora seja pouco provável a criação de uma moeda própria para os países do bloco, em contraponto ao dólar, o Brics tende a acelerar a proposta de usar moedas locais dos seus próprios membros em transações comerciais, deixando de lado a cédula norte-americana. "Óbvio que o Trump considera uma ameaça, mas isso passa a ser inevitável porque é uma consequência da própria ação dos Estados Unidos", frisa.

Na mesma linha, o economista e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Otto Nogami aponta que as tarifas de Trump podem forçar uma maior integração do Brics, mesmo com as dificuldades que o bloco enfrenta para formar consensos. "Cabe lembrar que a população da China e Índia, individualmente, é quatro vezes maior do que a americana, o que representa um potencial de demanda extraordinário no futuro", destaca Nogami.

De acordo com o professor do Instituto de Relações Internacionais (Irel) da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Jorge Ramalho da Rocha, é preciso cautela do governo na hora de analisar as ações do Brics. Ele destaca que o bloco não é um mecanismo de tomada de decisões homogêneas e rígidas entre os membros, mas sim um fórum de diálogo.

Da Rocha ressalta que Trump enxerga o Brics como um grupo a serviço da China e da Rússia, rivais geopolíticos dos EUA. Nesse sentido, exagera a coesão do bloco e usa esse discurso como forma de justificar o confronto. "Definir o Brics como um bloco serve à sua narrativa de enfrentamento e lhe permite criar pretextos para agredir os países do Brics, mas ele sabe que isso não é verdade. É um presidente que, infelizmente para o resto do mundo, tem muita dificuldade em lidar com fatos e com verdades", acrescenta. Para ele, o Brics não tem condições para mudar a rota da política externa de Trump, mas cria oportunidades para diminuir as consequências negativas. (Com informações da Agência Brasil)

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postado em 18/08/2025 03:59 / atualizado em 18/08/2025 07:19
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