
Em meio à pressão após o vídeo do influenciador Felipe Bressanim, o Felca, e mais de 60 propostas sobre a “adultização” infantil nas redes, o Correio entrevistou o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) que defende a votação do PL 2628 já na próxima semana, mesmo diante da resistência de parte da oposição, que teme “abertura para censura”.
Autor do projeto, ele sustenta que a proposta não atinge adultos nem restringe manifestações políticas, e afirma ter esclarecido dúvidas diretamente com a Frente Parlamentar Evangélica e o deputado Nikolas Ferreira (PL).
Há críticas de que a retirada de conteúdo sem ordem judicial pode abrir margem para censura ou abusos. Como equilibrar agilidade na proteção de crianças e adolescentes com a preservação da liberdade de expressão?
Não existe liberdade de expressão para criminosos ou para pedófilos. Essas críticas, as poucas que foram verbalizadas, são fruto do desconhecimento do texto. Esta é uma legislação que se aplica a usuários, crianças e adolescentes, e não se aplica a adultos. Portanto, não há o que se falar em censura, cerceamento de liberdade ou alguma indução ideológica. Fiz questão, inclusive, de conversar com a Frente Parlamentar Evangélica, com o deputado Nikolas Ferreira, por exemplo, que em um primeiro momento verbalizou dúvidas, para esclarecer que não há nenhum tipo de risco de censura em um projeto como este. Ele é fundamental para garantir segurança a um público extremamente vulnerável. Protelar isso a pretexto de alguma batalha ideológica gera graves riscos. Essas pessoas teriam que voltar depois para sua base e dizer que preferiram defender uma empresa multinacional em vez de defender crianças e adolescentes. Acho que ninguém em sã consciência faz uma escolha dessas.
Após o vídeo do Felca, a Câmara recebeu 60 novos projetos sobre o tema. Como o senhor vê a possibilidade de consolidar essas propostas com o PL 2628 para evitar sobreposição e acelerar a tramitação?
Não vejo com bons olhos, porque há sugestões de diversos tipos, e essas sugestões têm que passar por um crivo da sociedade civil, das empresas e dos técnicos. Às vezes, há uma boa intenção do parlamentar, mas a proposta é inexequível ou incompatível com a arquitetura dos aplicativos. É preciso ter cautela. Acho que o encaminhamento dado pelo presidente Motta é o mais produtivo: avançamos neste projeto que já está maduro, e cria-se uma comissão especial para apreciar com celeridade esses outros 60 ou mais projetos que possam surgir. Atrasar o 2628 seria um prejuízo muito grande, não faz sentido. Tivemos uma mobilização da OAB e da Sociedade Brasileira de Pediatria no sentido dessa votação célere e aprovação, porque eles conhecem o texto e o Projeto 2628 em detalhe, e sabem que ele funciona bem e terá um bom resultado
O PL 2628/2022 foi pensado antes do vídeo do Felca, mas agora ganhou nova relevância. O senhor pretende incluir no texto ajustes motivados diretamente por essas denúncias recentes?
Não. O que tivemos como definição, conversando com o relator na Câmara dos Deputados, que é o deputado Jadiel Alencar, e com o presidente da casa, deputado Mota, é que o Projeto 2628, que já está maduro, já foi aprovado pelo Senado, e passou por dezenas de reuniões técnicas e audiências públicas, vá a voto já na próxima semana. E que esse manancial de novos projetos, apresentados na onda do vídeo do Felca, sejam objeto de análise em um grupo de trabalho ou comitê que ele está montando, onde teremos a possibilidade de fazer acréscimos e complementos nesses novos projetos. É importante notar que o 2628 é de 2022 e já começa a assegurar um ambiente digital mais tranquilo e seguro para crianças e adolescentes.
Como garantir que as regras de verificação etária e controle parental previstas no PL sejam tecnicamente viáveis e eficazes, considerando a criatividade dos criminosos no ambiente digital?
Fizemos o projeto conversando com especialistas da área e com as empresas. Há, e a experiência em outros países confirma, uma série de tecnologias aptas a identificar a idade, que vão desde o mais simples, como a apresentação de um documento, ao uso de reconhecimento facial. Deixa-se a cargo da empresa utilizar a técnica que mais se adeque à plataforma. E como essas empresas passam a ter uma obrigação de transparência, de apresentar relatórios periódicos sobre o que fazem do ponto de vista de moderação e controle de crianças, é muito natural que tenhamos esses dados públicos e possamos acompanhar a execução da lei em si. Nossa expectativa é de adoção rápida, porque a tecnologia já está pronta. As empresas já têm esse tipo de produto, mas não o utilizam por uma questão comercial, pois o foco delas é o tempo de tela. Quanto mais a criança e o adolescente ficam conectados, mais elas ganham dinheiro. Quando mudamos agora a regra do jogo, exigindo que eles desenvolvam os aplicativos e os serviços focando em segurança, passa-se a ter um compromisso deles.
O caso expôs a inércia de algumas plataformas na remoção de conteúdos de exploração infantil. O PL prevê multas de até R$ 50 milhões, mas na prática, o senhor acredita que essa punição será aplicada com rigor?
Certamente, porque estamos falando de fatos gravíssimos. Nossa expectativa é que essas empresas, uma vez que já detêm a tecnologia e a informação, rapidamente se moldem a essa nova realidade. Ao mesmo tempo em que criamos a derrubada automática do conteúdo denunciado, também criamos um devido processo legal para a defesa do usuário. Digamos que, se você fez uma postagem e a plataforma a considera prejudicial para crianças e adolescentes, derrubando a postagem ou até mesmo seu perfil, você passa a ter um direito de defesa, exigindo que a plataforma fundamente aquela decisão e abra espaço para que você dialogue com ela e, eventualmente, restabeleça essa postagem. Isso hoje não existe. As plataformas fazem o que bem entendem e, em regra, o que elas fazem é manter a postagem no ar, pois literalmente lhes rende dinheiro.
O Felca relatou ameaças e difamações após a denúncia. O PL trata da proteção de menores, mas o senhor considera necessário legislar também para proteger denunciantes de casos de exploração infantil?
De certa forma, já existe legislação para isso. Há crimes de ameaça ou similares que o Felca possa estar enfrentando, e já há legislação sobre o tema. O que entendo que em algum momento teremos que legislar, e já tentamos fazer isso no passado, é no combate às contas falsas, às contas não identificadas. Isso tem que ser enfrentado, porque a regra constitucional brasileira é de liberdade de expressão, mas de vedação ao anonimato. Infelizmente, nas redes, as pessoas se sentem empoderadas pelo anonimato e fazem ataques e ofensas por qualquer divergência de opiniões ou pelo mero prazer de atemorizar e ofender alguém. Para superar essa situação, teremos que providenciar uma nova legislação. Acho que estamos chegando perto disso, mas sempre com muito cuidado para não invadir qualquer seara de liberdade de expressão. Temos total condições de compatibilizar as duas coisas, desde que saiamos dessa bolha de polarização infrutífera que enfrentamos e comecemos a tratar dos fatos, das coisas concretas. Quando expomos de forma objetiva, a aderência dos colegas parlamentares é muito alta.
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