A apenas uma semana da abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, parte da delegação brasileira que acompanhará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva segue sem visto para entrar nos Estados Unidos. O Ministério das Relações Exteriores (MRE) confirmou, ontem, que os documentos estão "em vias de processamento", mas reforçou a confiança de que Washington cumprirá o acordo internacional que obriga o país-sede a conceder a entrada de representantes oficiais.
Marcelo Viegas, diretor do Departamento de Organismos Internacionais do MRE, explicou que a negativa configuraria violação do tratado firmado entre a ONU e os EUA, em 1947. "Qualquer medida contrária representaria descumprimento legal desse compromisso", advertiu. O diplomata lembrou, ainda, que boa parte da equipe já tem vistos válidos, obtidos em edições anteriores da Assembleia. Apesar da tranquilidade transmitida pela chancelaria, cresce a preocupação com o precedente aberto recentemente, quando Washington negou a entrada de representantes da Autoridade Palestina.
Entre os ministros que ainda aguardam a autorização está Alexandre Padilha (Saúde). Sem visto desde 2024, ele pretende representar o Brasil também na conferência da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em Nova York. Ele tem tratado a situação com ironia, afirmando não ter "nenhuma intenção de ir para a Disney". Porém, sua mulher e filha de 10 anos tiveram as permissões canceladas no mês passado, e auxiliares do ministério também sofreram a revogação dos vistos. Segundo interlocutores do Planalto, outros nomes seguem sem liberação, como o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Por outro lado, Fernando Haddad (Fazenda) e Marina Silva (Meio Ambiente) estão com situação regularizada.
As indefinições ocorrem em meio às declarações de Donald Trump, que afirmou que poderia restringir vistos de autoridades brasileiras, alegando que o Brasil "está indo muito mal". Embora sem detalhar o alcance da medida, o comentário acendeu o alerta diplomático. Há meses o presidente norte-americano tenta, sem sucesso, intervir no julgamento dos golpistas pelo Supremo Tribunal Federal. Isso não impediu que Jair Bolsonaro fosse condenado, na sexta-feira passada, a 27 anos e três meses de prisão por chefiar a organização criminosa que pretendeu dar um golpe de Estado.
Preocupação
O Brasil manifestou preocupação com o atraso na concessão de vistos no Comitê de Relações com o Estado-Sede, realizado na última sexta-feira — quando a Primeira Turma do STF também decidiu a dosimetria das penas do "núcleo crucial" da tentativa de golpe. Embora não seja integrante do grupo, a delegação brasileira participou da sessão e defendeu o cumprimento integral do acordo.
"Vários países expressaram rejeição a medidas que não estejam em conformidade com as obrigações do Estado-sede", disse Viegas. Segundo especialistas, uma das estratégias norte-americanas tem sido adotar a chamada "operação tartaruga", liberando vistos de última hora para enfraquecer as delegações.
Enquanto negocia com os EUA, o governo brasileiro também finaliza a estratégia para o discurso de Lula nas Nações Unidas. Pela tradição, o Brasil abre os pronunciamentos, seguido pelos EUA. O presidente deve centrar sua fala na defesa da soberania nacional e no compromisso com a democracia, em meio ao contexto de sanções e atritos diplomáticos. Fontes do Planalto afirmam que Lula fará uma menção indireta ao julgamento de Bolsonaro no STF, reforçando que as decisões da Justiça brasileira não estão em discussão.
Embora não esteja previsto encontro bilateral entre Lula e Trump, há expectativa de um eventual contato informal nos corredores das Nações Unidas. O presidente brasileiro deve aproveitar o palco multilateral para insistir na legitimidade das instituições nacionais e buscar respaldo internacional, em meio à tensão com Washington. O pronunciamento será em 23 de setembro e deve reafirmar a mensagem de que o Brasil não abrirá mão de sua autonomia política.
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