
Em entrevista às jornalistas Sibele Negromonte e Luana patriolino, no Podcast do Correio, o professor Marco Schneider, coordenador-geral da Rede Nacional de Combate à Desinformação (Rncd) e pesquisador do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, analisou o papel das plataforma digitais diante da circulação de informações falsas. Ele destacou que "as redes sociais transformaram a comunicação em um território sem controle, no qual interesses econômicos e políticos se misturam, afetando diretamente a qualidade do debate público".
Criada há cerca de cinco anos pela professora Ana Regina Rêgo, da Universidade Federal do Piauí, a Rncd reúne mais de cem entidades, entre universidades, ONGs e agências de checagem. Segundo Schneider, a iniciativa surgiu em meio à pandemia, quando "a disseminação de mentiras graves sobre saúde pública expôs a urgência de articulação entre pesquisadores, jornalistas e educadores".
Para o professor, a internet, inicialmente um espaço livre e plural, passou a ser dominada por grandes corporações cujo negócio é a publicidade digital. "As big techs descobriram que a atenção é o novo petróleo. Quanto mais engajamento, maior o lucro, e pouco importa se o conteúdo é verdadeiro ou falso", afirmou. Ele comparou a situação a um sistema de mídia sem regras: "É como se emissoras de TV pudessem exibir qualquer coisa, a qualquer hora, desde que aumentasse a audiência. Só que no ambiente digital não há regulação."
Schneider lembrou que o fenômeno ganhou força com a ascensão de líderes populistas e a atuação de plataformas no debate político. "O alinhamento entre empresas de tecnologia e governos autoritários é um risco para as democracias. Quando o Google colocou um aviso em sua página dizendo que o PL das fake news ameaçava a liberdade de expressão, ele interferiu diretamente em uma votação do Congresso", disse. Para ele, a alegação de defesa da liberdade de expressão serve, muitas vezes, para evitar regulações que poderiam reduzir lucros e influências.
Marco civil
O pesquisador defendeu a atualização do Marco Civil da Internet, de 2014, que, segundo ele, "foi um avanço histórico, mas não dá conta da realidade atual". Schneider pondera que as plataformas "não são apenas provedoras de conteúdo, são empresas publicitárias que controlam o fluxo informacional, definindo o que aparece no feed de cada usuário". Por isso, acredita que o artigo 19 do Marco Civil, que isenta provedores de responsabilidade sobre o conteúdo publicado, precisa ser revisto.
Além da regulação, ele destacou a importância da educação midiática. "Não basta criar leis. É preciso ensinar desde cedo a identificar fontes confiáveis, distinguir fatos de manipulações e compreender o funcionamento dos algoritmos. A educação midiática e informacional é prevista em lei, mas ainda não foi efetivada de forma ampla." Ele citou iniciativas em universidades e parcerias entre tribunais eleitorais e instituições de ensino que ajudaram a conter danos nas últimas eleições.
O coordenador da RNCD afirmou que, apesar dos desafios, o Brasil é visto internacionalmente como um caso positivo na defesa da democracia. "A desinformação não venceu nas urnas. Houve mobilização das instituições, da imprensa e da sociedade civil. Essa reação impediu que o caos informativo se transformasse em colapso democrático."
Sobre a influência da inteligência artificial nas próximas eleições, Schneider alertou para o avanço dos deepfakes e o risco de manipulações mais sofisticadas. "A diferença é que agora as pessoas estão mais atentas. O desconfiômetro voltou a funcionar, mas ainda falta um marco regulatório que puna o uso fraudulento dessas tecnologias."
Ao tratar da formação dos novos jornalistas, o professor ressaltou a necessidade de compromisso ético. "O jornalismo vive uma crise de modelo de negócios, mas sua função pública é mais essencial do que nunca. O jornalista precisa lidar com a liberdade de expressão equilibrada com a verdade e o interesse público."
Para ele, a difusão de desinformação está associada à crise de confiança e à fragilidade das instituições. "Quando a sociedade perde projetos coletivos e se fragmenta, surgem explicações simplificadoras para problemas complexos. Grupos políticos e econômicos exploram essa vulnerabilidade para manipular emoções e ganhar poder."
Schneider concluiu que a combinação entre regulação efetiva e educação em larga escala é o caminho mais viável. "Enquanto for possível ganhar capital político e financeiro com a mentira, a resistência à regulação continuará. O desafio é fazer com que a verdade volte a ter valor no espaço público."
*Estagiária sob a supervisão de Edla Lula
