
A autorização para que a Petrobras inicie a perfuração de um poço exploratório na foz do Rio Amazonas, na Margem Equatorial (trecho que vai do Rio Grande do Norte à fronteira com a Guiana Francesa), concedida na última semana, reacendeu o debate sobre os rumos da política energética brasileira e a coerência do país às vésperas da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, a partir de 10 de novembro.
Horas após o aval concedido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na segunda-feira passada, após uma espera de quase 10 anos, a Petrobras iniciou a perfuração no bloco FZA-M-59, a 170 quilômetros da costa do Amapá, em águas profundas. A estatal informa que a região "tem potencial relevante e pode gerar empregos, aumentar a arrecadação e impulsionar o desenvolvimento regional".
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Em nota, a petroleira afirmou que "atua com os mais rigorosos padrões operacionais e ambientais" e que seu Plano Estratégico 2050 prevê investimento de US$ 3 bilhões nos próximos cinco anos. "Estamos preparados para iniciar essa jornada com o mínimo impacto ambiental, combinando cuidado com o meio ambiente e avanço socioeconômico", informou.
O Ministério de Minas e Energia estima que a área possa conter até 10 bilhões de barris de petróleo, volume próximo ao das reservas do pré-sal. A perfuração do primeiro poço na Margem Equatorial tem início no momento em que o Brasil busca protagonismo climático ao sediar a COP30.
Apesar do aval do Ibama, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou um recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), na sexta-feira, para suspender a autorização concedida à Petrobras. O órgão pede a proibição imediata de qualquer processo de licenciamento sem a realização prévia de estudos obrigatórios, como o Estudo de Impacto Climático (EIC), a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) e os levantamentos específicos sobre povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
Para o MPF, a ausência desses estudos viola compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. "A omissão em cumprir o dever de diligência reforçada pode gerar a condenação internacional do Brasil por violação de direitos humanos e ambientais, principalmente por colocar em risco ecossistemas únicos e a integridade de populações tradicionais", afirmou o órgão em nota.
A decisão do Ibama, porém, impõe uma série de salvaguardas. O licenciamento ambiental prevê 28 condições específicas para o início dos trabalhos, entre elas, a realização de simulados de vazamento de óleo, planos de emergência e programas de monitoramento da fauna e da qualidade da água. O documento também determina que, em caso de descumprimento das condicionantes, a licença poderá ser suspensa ou cancelada.
A Margem Equatorial compreende uma extensa área com formações geológicas comparáveis às da Guiana e do Suriname — países que, recentemente, identificaram grandes jazidas de petróleo. De acordo com estimativas da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o potencial da bacia pode chegar a 30 bilhões de barris de óleo equivalente. Para a Petrobras, essa nova frente de exploração é vista como essencial para recompor reservas e garantir a manutenção da produção de petróleo pelos próximos anos.
Decisão polêmica
A autorização do Ibama dividiu opiniões entre ambientalistas, indígenas e políticos. Para os críticos, trata-se de assumir um risco ambiental e climático inaceitável. Para os entusiastas, um passo essencial para o desenvolvimento regional e a segurança energética do país.
Entre os divergentes, está o diretor-executivo da Plant-for-the-Planet Brasil, Luciano Fratelli, que explica que a exploração de petróleo no mar amazônico é "um retrocesso histórico" em um momento de emergência climática. "Quando falamos de exploração de petróleo, seja no Brasil ou em outros países, estamos falando da principal fonte de emissões de gases de efeito estufa do planeta. Isso afeta diretamente a população local, o meio ambiente e o futuro das crianças", afirmou ele ao Correio.
Fratelli citou um estudo publicado na revista Nature, segundo o qual 92% das crianças nascidas a partir de 2020 poderão ser fortemente impactados pelo aquecimento global. "Apostar em um possível recurso que venha daqui a dez anos, no caso da exploração na Foz do Amazonas, é colocar o futuro dessas crianças em risco", completou.
Em um debate sobre a exploração na Margem Equatorial no Senado Federal, na última terça-feira, a liderança indígena Alessandra Munduruku, do Pará, também criticou o início das perfurações, destacando que o debate "ocorre longe dos territórios afetados". Ela afirmou que as comunidades amazônicas sofrem os efeitos de decisões tomadas "sem consulta e sem respeito à vida dos povos da floresta".
"A gente já sofre com o garimpo, com o rio contaminado por mercúrio, com mulheres que amamentam filhos intoxicados. Agora, querem trazer as petroleiras para dentro da Amazônia. Isso é um genocídio do nosso povo", alertou. Alessandra cobrou que as consultas sejam realizadas nas aldeias, e não apenas em Brasília. "Quando a gente vai para o mato, é sagrado. A floresta é nossa vida, e destruir para lucrar é destruir nosso modo de existir", disse ela à reportagem.
Entre os parlamentares, as opiniões se dividem. O deputado Ivan Valente (Psol-SP) classificou a autorização como "um péssimo sinal para o Brasil e para o mundo". "Temos condições de liderar a transição energética global. Apostar em novos poços de petróleo na Amazônia é caminhar na direção contrária e enfraquece o discurso ambiental do país", criticou.
Valente é autor de um projeto de lei que solicita a proibição de novas concessões de exploração de petróleo e gás na Amazônia, apresentado em abril deste ano, com proposta de um plano de transição energética e prazos para o encerramento das atividades fósseis.
No campo oposto, o deputado Sidney Leite (PSD-AM), coordenador da Bancada do Norte na Câmara dos Deputados, defendeu o avanço da pesquisa exploratória. "Essa autorização é para confirmar o que as pesquisas indicam. Ainda há um longo caminho, mas é um passo importante para o desenvolvimento do Amapá, com geração de empregos, royalties e investimentos em infraestrutura", declarou ao Correio.
O líder do União Brasil na Câmara, deputado Pedro Lucas Fernandes (MA), também comemorou o aval do Ibama e destacou o impacto econômico para o Nordeste. "É uma vitória do Brasil. Esse avanço reforça o potencial da região e abre caminho para mais desenvolvimento e oportunidades", disse, em nota. Ele preside a Frente Parlamentar em Defesa da Exploração de Petróleo na Margem Equatorial.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União) — eleito pelo Amapá —, também celebrou a autorização e classificou a decisão como um "passo histórico" para o desenvolvimento do país. Segundo ele, "o Brasil tem condições de explorar suas riquezas naturais de forma responsável, com segurança e transparência", garantindo que os benefícios cheguem às populações locais e reforcem a soberania energética nacional.
Na última sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assegurou que a autorização para perfuração de poços na Margem Equatorial não contraria os compromissos ambientais do Brasil. Segundo ele, a exploração de petróleo na região poderá financiar a transição energética do país.
"O Brasil quer mostrar ao mundo que é um dos países que mais têm energia renovável. Pegamos autorização apenas para pesquisa na Margem Equatorial, e entre pesquisar e tirar petróleo leva muito tempo. Será necessária nova licença para qualquer outra etapa", disse Lula, em entrevista coletiva na Indonésia, ao ser questionado sobre o impacto da medida às vésperas da COP30.
"A Petrobras tem expertise em águas profundas e não tem histórico de vazamento. Enquanto o mundo ainda precisa de combustível fóssil, não vamos abrir mão de uma riqueza que pode melhorar a vida do povo brasileiro", afirmou. Lula argumentou que a exploração não impede a agenda ambiental brasileira e disse que os recursos do petróleo podem acelerar investimentos em energia limpa. "Queremos usar o dinheiro do petróleo para consolidar a transição energética. A Petrobras vai, aos poucos, deixar de ser só uma empresa de petróleo para ser uma empresa de energia", completou o presidente (Leia mais sobre a viagem de Lula à Ásia na página 3).
"Não foi um processo curto, foi um processo longo, absolutamente técnico, e nós estamos convencidos de que o que entregamos foi nada mais, nada menos do que um plano de emergência individual", disse a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, ao defender o licenciamento em um evento da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Transição energética
Conhecida por seu posicionamento de defesa da Amazônia, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, negou que a decisão do Ibama tenha sido influenciada por pressões políticas. "Se houve manifestação política, não interferiu no trabalho de qualidade dos nossos servidores", garantiu ela.
Segundo a ministra, o Ibama exigiu uma série de ajustes antes de conceder o aval, como a criação de bases de resgate da fauna oleada mais próximas da área de perfuração, reduzindo de 800 para 160 quilômetros a distância até o local. "Sem o rigor do Ibama, a licença teria saído em prejuízo do meio ambiente", ressalvou.
Marina reconheceu, no entanto, que há uma contradição em abrir novas frentes de petróleo às vésperas da COP30. "O mundo precisa sair da dependência dos combustíveis fósseis. Mas essa transição deve ser planejada e justa. Não é o Ibama que decide sobre o uso do petróleo — essa é uma decisão do Conselho Nacional de Política Energética", disse.
