Uma semana após o encerramento da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, o Congresso Nacional impôs uma derrota aos esforços de proteção do meio ambiente, ao derrubar 52 dos 63 vetos presidenciais ao projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental — que ficou conhecida como PL da Devastação. A manutenção do texto original é vista por ambientalistas como o pior retrocesso legislativo da história brasileira nessa questão. O resultado consolidou a união da centro-direita, que se articulou para impor uma dura derrota ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O placar foi de 295 votos pela derrubada na Câmara dos Deputados e 52 no Senado.
"Os dispositivos que retornaram com a derrubada dos vetos colidem com os direitos dos indígenas e quilombolas, dão um cheque em branco para os entes subnacionais fazerem o que quiserem com o licenciamento, restringem o campo da aplicação do licenciamento ambiental e reduzem a responsabilidade das instituições financeiras, entre outros absurdos", criticou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.
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"Precisamos ser mais eficientes com licenciamento ambiental, mas jamais ao custo de insegurança e riscos atuais e futuros para a população. Será que os ilustres senadores não entenderam o recado que a natureza está nos dando? A COP30, em Belém, deixa claro que ultrapassamos limites. Temos que repensar nossa relação com nossos rios e florestas. E não é com um PL apressado e disfuncional que seremos mais harmônicos com o meio em que vivemos", diz André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
A base do governo chegou ao Congresso sabendo que perderia, mas não perdeu em silêncio. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), disse que o governo pode contestar o PL da Devastação na Justiça. "Como cada estado, cada município pode fazer sua própria legislação, agora é uma terra sem lei, uma terra de ninguém. E o próprio governo federal, diante dessa eliminação (de prerrogativa da União), considera judicializar", destacou.
O líder do governo no Congresso Nacional, Randolfe Rodrigues, confirmou a possibilidade de judicialização e comentou que foi "o maior enfraquecimento da legislação ambiental até hoje", com a aprovação de itens "flagrantemente inconstitucionais". "Será um tema que, fatalmente, nós iremos recorrer ao Supremo Tribunal Federal", afirmou.
A ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann, lamentou o resultado e declarou que "quem perde é o Brasil com a derrubada pelo Congresso dos vetos do presidente Lula à Lei de Licenciamento Ambiental". Ela também classificou a decisão como uma "péssima notícia" que contradiz o esforço do governo após a realização da COP 30. "Perdem o meio ambiente, a proteção dos nossos biomas, a segurança dos alimentos e da saúde da população, os indígenas e quilombolas, a reputação dos produtos que exportamos", escreveu Gleisi em suas redes sociais.
O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP), chegou a adiar a sessão que ocorreria em outubro para apreciação dos vetos, atendendo a um pedido do governo para que não votar o tema às vésperas da COP30. Contudo, Alcolumbre relembrou, em seu discurso durante a votação, que apreciar vetos é uma responsabilidade institucional das duas Casas Legislativas.
"Nos últimos dias, esta presidência tem sido alvo de críticas pela decisão de incluir na pauta desta Sessão o veto do Licenciamento Ambiental. É preciso ser muito claro: o Congresso Nacional não pode se furtar ao cumprimento de suas responsabilidades constitucionais. Qualquer tentativa de transformar isso em disputa política desconsidera o papel institucional do Congresso", afirmou.
Lei enfraquecida
Com as votações de ontem, o texto aprovado anteriormente pelo Congresso Nacional entra em vigor. Sete outros vetos — relativos ao Licenciamento Ambiental Especial (LAE) — foram prejudicados e não serão apreciados devido à Medida Provisória (MP) 1.308, que trata do tema e está sendo relatada pelo deputado Zé Vitor (PL-MG). Os vetos derrubados envolvem pontos considerados críticos, que, na visão de especialistas, enfraquecem a legislação ambiental e ameaçam biomas e populações vulneráveis.
Dentre os principais pontos derrubados, havia o trecho que permitia que empreendimentos de médio potencial poluidor fossem submetidos ao Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC), uma modalidade simplificada que dispensa a realização de estudos de impacto ambiental. Esse dispositivo, que antes era limitado a projetos de pequeno potencial poluidor — por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) —, passa a ser aplicado a empreendimentos de médio porte. Para obter a licença, o responsável precisará apresentar apenas um Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE), cuja análise pelos órgãos ambientais não será obrigatória e será feita apenas por amostragem.
Houve, ainda, a liberação do processo de licenciamento ambiental em terras indígenas e quilombolas que ainda não foram homologadas sem a consulta à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e à Fundação Palmares. Antes, as entidades deviam ser consultadas mesmo que as terras não tivessem sido demarcadas.
O Congresso também derrubou a proibição de delegação para que estados e municípios estabeleçam seus próprios critérios sobre o potencial poluidor de um empreendimento. Ambientalistas temem que essa regionalização resulte na redução dos padrões de exigências ambientais.
Setores comemoram
O relator, deputado Zé Vitor, comemorou a aprovação do projeto, que tramitava havia 22 anos. "É a primeira vez que nós teremos uma lei de fato. Então, não há que se falar em proteção ambiental com normas sustentadas em portarias e resoluções. Nós teremos a primeira lei no Brasil que trata de licenciamento ambiental", afirmou.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considerou a decisão positiva. O presidente da entidade, Ricardo Alban, afirmou que a derrubada "recupera a coerência do texto". "O objetivo central é conferir maior agilidade e segurança jurídica ao licenciamento, condições indispensáveis para atrair investimentos, criar empregos e viabilizar obras essenciais em áreas como saneamento, logística, energia e infraestrutura", destacou. O presidente da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), deputado Pedro Lupion (Republicanos-PR), classificou a derrubada como "mais uma vitória importante, não apenas da FPA, mas do Brasil". "A racionalização do sistema de licenciamento ambiental é essencial para destravar o desenvolvimento, gerar empregos e atrair investimentos, sem prejuízo à proteção ambiental", destacou o parlamentar.
