
Em meio à aprovação e ao avanço de projetos considerados controversos no Congresso Nacional, como a PEC da Blindagem e o PL da Dosimetria, artistas brasileiros têm ampliado sua participação no debate público e voltado às ruas em defesa da democracia. Em 2025, cantores, atores e personalidades do mundo digital se mobilizaram por meio de protestos contra ameaças de retrocessos institucionais e até mesmo o fortalecimento da direita no país. A participação de artistas teve início ainda no período pós-ditadura militar, quando eles passaram a compor letras de protestos e também a ocupar as ruas, pedindo liberdade de expressão.
Desde o fim do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o engajamento deixou de se restringir às redes sociais com movimentos ganhando força e adesão, não só de políticos e da população, mas também de ídolos da música. Eles sobem em trios, mas também fazem críticas em apresentações e em programas de TV dos quais participam. A cultura foi um dos setores mais penalizados durante a gestão Bolsonaro, que vetou e cortou verbas para produções culturais e cinematográficas, por exemplo.
Para o cientista político Ernani Carvalho, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a mobilização mais intensa de artistas nas manifestações populares se dá por conta de um ambiente de forte tensão institucional. Segundo ele, o país vive uma disputa aberta entre os Poderes, que acaba transbordando para outros setores da sociedade.
"Existe hoje no Brasil uma dinâmica muito clara de correlação de forças. De um lado, o Executivo, chefiado pelo presidente Lula, que tem feito alianças estratégicas com a Suprema Corte para enfrentar algumas ações do Congresso. De outro, um Congresso com uma representação majoritariamente de centro-direita, e em alguns aspectos claramente de direita, que vem protagonizando sucessivas quebras de braço com o atual governo", afirmou o especialista.
Uma das maiores mobilizações ocorreu em 21 de setembro de 2025, quando manifestações ocorreram simultaneamente em diversas capitais do país contra a proposta de emenda à Constituição (PEC) 3/2021, conhecida como PEC da Blindagem. O texto passou com 351 votos no 1º turno e 344 no 2º turno. A proposta queria alterar as regras de responsabilização de parlamentares.
No Rio de Janeiro, a concentração ocorreu na orla de Copacabana, Zona Sul do estado, reunindo milhares de pessoas. Caetano Veloso publicou um vídeo chamando a população para reagir à proposta. A gravação foi reproduzida por diversos veículos da imprensa e se tornou uma das principais referências da mobilização. No vídeo, ele disse que a manifestação popular estava mostrando o descontentamento da população. "A PEC da bandidagem, que é o que é, tem que receber da sociedade brasileira uma resposta saudável, socialmente saudável. Uma manifestação de que grande parte da população brasileira não admite um negócio desse. E ainda mais sendo, agora, às pressas, levado à frente esse projeto de anistia, que não pode ficar sem resposta por parte da população brasileira."
Neste mês de dezembro, o engajamento dos artistas às pautas políticas continuou. Desta vez, contra o Projeto de Lei (PL) 2162/23, chamado de PL da Dosimetria, que visa alterar os critérios de soma de penas e progressão de regime, beneficiando principalmente o ex-presidente Jair Bolsonaro, os militares envolvidos na tentativa de golpe de Estado e os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, quando centenas de pessoas destruíram instituições da Praça dos Três Poderes, em Brasília.
No último dia 14, um novo ato foi realizado no Rio de Janeiro. A convocação foi feita por meio de redes sociais, reunindo artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Djavan e Ivan Lins, em apresentações que mesclaram música e posicionamento político.
O professor Ernani Carvalho apontou que o PL da Dosimetria e seus possíveis efeitos políticos, como por exemplo, o de beneficiar diretamente os envolvidos na trama golpista de 2022, "é um aspecto muito contundente da dinâmica de luta entre as forças que hoje disputam a hegemonia política no Brasil".
Reação da direita
Artistas ligados à direita também se manifestaram neste ano, contrários ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No último dia 15, o cantor sertanejo Zezé Di Camargo gravou um vídeo em suas redes sociais, criticando a presença do líder petista e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes na inauguração do SBT News.
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Zezé, que havia gravado um especial de Natal, que iria ao ar no SBT, pediu no vídeo que a direção não exibisse o programa. O canal não colocou no ar, substituindo a participação por um episódio do Chaves. O ator David Cardoso Jr, que já trabalhou na emissora, veio a público apoiar o sertanejo. O senador Magno Malta (PL-ES) também se manifestou em defesa de Zezé. Segundo ele, "os artistas de esquerda podem se juntar. Se juntar até com dinheiro da Lei Rouanet, fazer show no meio da rua contra a anistia. Mas se alguém é a favor da anistia e é artista, esse é criticado".
O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) rebateu, publicando uma lista com os artistas mais bem pagos pela Lei Rouanet, incluindo o próprio Zezé. "Primeiro lugar, Gusttavo Lima, R$ 52 milhões. Segundo lugar, Bruno & Marrone, R$ 45 milhões. Terceiro lugar, Leonardo, R$ 42 milhões. Quarto lugar, Chitãozinho & Xororó, R$ 38 milhões. Quinto lugar, César Menotti & Fabiano, R$ 35 milhões. Sexto lugar, Zezé Di Camargo & Luciano, R$ 32 milhões. Sétimo lugar, Eduardo Costa, R$ 28 milhões. Oitavo lugar, Amado Batista, R$ 23 milhões. Nono lugar, Henrique & Juliano, R$ 20 milhões. Décimo lugar, Fernando & Sorocaba, R$ 19 milhões. Ao que me parece, não está nenhum dos artistas que estão se mobilizando por democracia e contra a anistia", apontou.
Outra investida da direita é Dark Horse, filme que pretende contar a trajetória do ex-presidente Bolsonaro e que tem estreia prevista para 2026. O deputado federal Mário Frias (PL-SP) compartilhou o primeiro teaser do longa em suas redes sociais no início do mês. O ex-ator assina produção e roteiro da obra, filmada em inglês e estrelada pelo ator norte-americano Jim Caviezel, conhecido por A Paixão de Cristo.

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