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Círculo Polar Ártico e Noruega: do bacalhau aos encantos da aurora boreal

Confira roteiro de viagem ao Círculo Polar Ártico para conhecer como se processa o bacalhau e também a busca na Noruega por um dos fenômenos mais fascinantes da Terra

José Carlos Vieira
postado em 11/12/2022 00:01 / atualizado em 12/12/2022 17:13
 (crédito:  Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação)
(crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação)

Tromsø e Ålesund (Noruega) — Foram 10.791km, 38 horas entre escalas em aeroportos e quatro voos para chegar a Tromsø, cidade de 70 mil habitantes, no extremo norte da Noruega e dentro do Círculo Polar Ártico. O frio de 3°C e a chuva fina de novembro deram as boas vindas para o corpo cansado da viagem, mas cheio de emoção e expectativa diante das paisagens oferecidas pela janela do ônibus rumo ao Clarion Hotel The Edge. A convite do Conselho Norueguês de Pesca (CNP), este repórter estava diante de uma aventura inusitada em terras e mares noruegueses.

 2022 Crédito: José Carlos Vieira/CB. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego.
2022 Crédito: José Carlos Vieira/CB. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. (foto: José Carlos Vieira/CB)

O Brasil é um dos grandes apreciadores do bacalhau desse país nórdico, berço dos vikings, conhecido pela aurora boreal e pela produção petrolífera. Somos o primeiro importador de bacalhau salgado e seco (à frente de Portugal). Herança gastronômica vinda justamente com os portugueses na época de Dom João VI e saboreada por aqui nos períodos de Páscoa e de Natal. No ano passado, foram consumidas 15,7 mil toneladas desse tipo de peixe. Este ano, a expectativa é chegar a 17 mil, mesmo com a alta da inflação e do dólar. Para se ter uma ideia, em 2019, antes das pandemia, esses números chegaram a quase 20 mil toneladas.

  • O Gadus morhua é considerado o peixe mais nobre entre os tipos de bacalhau José Carlos Vieira/CB
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • Depois de limpo, inicia-se a salga do peixe Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação

"O mercado brasileiro é muito importante para os exportadores noruegueses, o Brasil é o país mais importante do mundo para o bacalhau salgado seco produzido na Noruega", destaca o Øystein Valanes, do Conselho Norueguês de Pesca.  Øystei adianta que entre as ações do CNP visando aumentar o consumo no Brasil está o projeto de parcerias com "grandes restaurantes e bares para promover o bacalhau da Noruega".

O Gadus morhua, considerado o mais nobre bacalhau do mundo, e o Saithe são os tipos de peixe que caíram no gosto dos brasileiros e podem ser encontrados nos supermercados de Brasília. Mas, e a cabeça do bacalhau? De acordo com Øystein, essa parte do pescado passa pelo mesmo processo do bacalhau e é exportada principalmente para a Nigéria. Já a língua é servida empanada em restaurantes noruegueses.

Logo cedo, saímos de Tromsø, conhecida também como a Paris do Norte, pegamos a estrada beirando fiordes que mais pareciam cartões-postais nevados. O destino era uma pequena ilha em Husøy, na região de Senja, sede da Brødrene Karlsen AS, empresa familiar que cultiva peixes como o salmão e processa o bacalhau. Está localizada estrategicamente na porta do Mar de Barents, parte do Oceano Glacial Ártico, e do Mar da Noruega, o que garante a qualidade da carne e o frescor dos peixes beneficiados e exportados. 

  • 2022 Crédito: José Carlos Vieira/CB. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. José Carlos Vieira/CB
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • O controle de qualidade checa a produção Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • Começa o processamento, depois de descongelado Fotos: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • Pronto para seguir rumo ao Brasil Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • A secagem dura pelo menos dois dias Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação

A alta temporada do bacalhau é de janeiro a abril, quando a fábrica trabalha em turnos as 24 horas. Mas, em novembro, a produção não para: os peixes chegam em barcos pesqueiros, são descongelados e, numa linha de produção, começam a ser abertos, limpos, salgados e congelados novamente para serem enviados a Ålesund, com 50 mil habitantes e 980km ao sul, conhecida como capital mundial do bacalhau. O processo de salgamento tem um segredo: a mistura de sal marinho vindo da Tunísia com o sal mineral da Alemanha encobre uniformemente toda a carne do peixe. E foi para Ålesund que seguimos viagem. Meu Deus, mais que cidade linda!

Depois do frio polar de Tromsø, com uma média de 2°C, os 8°C de Ålesund era quase um verão. Ficamos hospedados no charmoso Hotel Brosundet. O edifício, todo restaurado, era um antigo armazém construído em 1918, onde o bacalhau seco e salgado era embalado e exportado para Portugal e Brasil. Isso mesmo, tudo gira em torno do famoso pescado. No dia seguinte, fomos conhecer a Scan-Mar, uma moderna "fábrica" de bacalhau.

Espen Roth, um dos assessores da empresa, com um fluente e bem-humorado português, detalha para a Revista do Correio todo o processo. "Recebemos diariamente toneladas de peixe congelado vindas de vários pontos da Noruega. A primeira etapa é descongelá-los para inciar o processo de limpeza, depois são salgados e ficam armazenados por pelo menos 15 dias, em seguida vão para o processo de secagem, em média por dois dias, dependendo do tamanho do peixe. Com o bacalhau seco, começa a embalagem e a triagem para destinação do produto, via porto de Roterdã (Holanda) até o porto de Santos — a viagem dura em torno de 30 dias", explica.

Pescaria em alto mar

A incrível experiência de pescar no Mar da Noruega peixes da mais alta qualidade
A incrível experiência de pescar no Mar da Noruega peixes da mais alta qualidade (foto: José Carlos Vieira/CB)

No roteiro da viagem estava escrito: "pesca de bacalhau". Pensei que seria uma simulação. Que nada. A bordo do Havstar, um barco pesqueiro de 25 metros, típico da região, fomos desbravar o Mar da Noruega em busca de peixes (risos). Dez quilômetros depois, o barco parou o motor e um pescador me entregou uma vara com molinete e três grandes anzóis na ponta da linha. As gaivotas começaram a se aproximar do Havstar — prenúncio de que a pescaria seria um sucesso. E foi! A linha desceu uns 15 metros no mar gelado da Noruega. Com leves puxões para atrair o cardume, fisguei o primeiro. Que emoção! Este pescador do cerrado conseguiu capturar um Saith. Voltei a jogar os anzóis no mar, não deu outra: foram dois de uma só vez, um Ling e outro Saith. Não é mentira de pescador, confira a foto (risos). De uma família tradicional de pescadores, Øystein Valanes diz que pessoas que pegam muitos peixes têm "hail" — sucesso no amor e no sexo (oba!). Mas, na volta, o enjoo bateu. A pescaria rendeu o almoço do dia seguinte no restaurante do Hotel Brosundet. 

Um ensopado abaixo de 0°

Pela programação da viagem, ficaríamos apenas dois dias em Tromsø. A conversa dentro do grupo de jornalistas girava sempre em torno da expectativa de avistar a aurora boreal. "Será que vamos finalmente admirar a aurora?" O primeiro dia na famosa Paris do Norte foi nublado, com um vento constante e cortante, permeado por uma chuva fina que aumentava ainda mais a sensação de frio, abaixo de 0°C.

O primeiro ponto da agenda era uma rápida jornada ao topo da montanha Storsteinen (421 metros acima do nível do mar), um dos cartões-postais da cidade mais visitados pelos turistas. Em menos de 10 minutos, o teleférico Fjellheisen leva os visitantes ao topo. Que vista! Uma neve fina começa a cair, a cidade e as ilhas próximas desaparecem lá embaixo. Emocionante passear pela montanha branca e silenciosa.

  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • A gastronomia norueguesa surpreende pelo refino e pelo uso do bacalhau como um dos principais ingredientes Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação

Incrustado na montanha, o Fjellstua Café Og Restaurant é um convite à boa gastronomia norueguesa — o bacalhau e o salmão preparados das mais variadas formas, de pizza a um delicioso ensopado oferecido no cardápio do Fjellstua (confira receita). A culinária nórdica é famosa pela delicadeza no preparo e na simplicidade dos ingredientes. Durante essa viagem, degustei sabores variados sempre harmonizados por vinhos de toda a Europa. Que delícia também o salaminho de carne de baleia ou o assado com carne de rena...

Simplesmente fenomenal

Foi no segundo dia, quando a ansiedade para presenciar a aurora boral estava a mil, que as boas notícias começaram a surgir. O tempo estava firme, um tímido sol até apareceu, mas não espantou o gélido frio nórdico. No começo do inverno ártico, a noite chega mais cedo. A van com os jornalistas serpenteava a rodovia contornando fiordes. Às 16h, o dia começava a escurecer. Vínhamos da visita de Brødrene Karlsen rumo a Tromsø. A lua cheia e amarelada surgia entre as montanhas geladas. Prenúncio de que a noite prometia.

A lua cheia veio celebrar a viagem inesquecível
A lua cheia veio celebrar a viagem inesquecível (foto: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação)

Paramos em Sommarøy, a cerca de 36km de Tromsø, para apreciar a tão esperada aurora boreal. Sommarøy era uma antiga vila de pescadores, mas hoje é um dos polos turísticos da região, com hotéis e casas de veraneio. Por voltas das 18h30, o horizonte começou a se esverdear. Que emoção! Um fenômeno mágico! Um jogo de luzes verdes cruzava o céu do Círculo Polar Ártico.

  • Mesmo com as luzes de Tromsø, a aurora boreal se mostra radiante José Carlos Vieira/CB
  • Em Sommarøy, diante de um fenômeno exuberante José Carlos Vieira/CB
  • 2022 Crédito: José Carlos Vieira/CB. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. José Carlos Vieira/CB
  • 2022 Crédito: Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação. Bacalhau da Noruega/Bacalao Noruego. Conselho Norueguês de Pesca/Divulgação

Morador de Tromsø, o fotógrafo espanhol David Gonzales (@buendiaphotography) explica como ocorre a aurora. "Ela surge em decorrência do impacto de partículas de vento solar com a alta atmosfera da Terra, canalizadas pelo campo magnético terrestre", destaca. De acordo com especialistas, essas partículas viajam centenas de quilômetros por segundo no sistema solar e são compostas por prótons, elétrons e nêutrons, cheios de energia. São esses elementos que irão dar forma e cor para cada aurora. Nessa, o verde sobressaia.

Seguimos para Tromsø em busca de novas imagens. Gonzales nos levou a um pequeno parque no centro urbano e apontou a câmera para o céu. Aos poucos, apesar das luzes da cidade, o fenômeno se repetia. Que sorte!

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